segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Coisas possíveis (?) e que eu gostaria de ver no futebol em 2011

Será possível um dia olhar e ver aquilo que se gostaria de ver pelo bem do futebol?

Para os detratores da fórmula de pontos corridos (que merece alguns ajustes, é verdade) pararem com os gritos de “mata-mata, mata-mata!”, que as copas do Brasil, Santader Libertadores e Nissan Sudamericana durassem a temporada inteira. Assim, a Copa do Brasil também poderia receber os candidatos ao título da Libertadores e a competição voltaria a ser algo mais que uma seletiva para principal competição continental. Além disso, a temporada terminaria com três finais empolgantes e o Brasileirão manteria sua fórmula atual sem percalços;

Que após os estaduais, os clubes campeões da Copa do Brasil e do Brasileirão abrissem a temporada nacional em um jogo único, que definisse o Supercampeão do Brasil;

Em resumo, as duas propostas acima copiariam o modelo europeu, tão celebrado na América do Sul, mas não seguido aqui no que há de bom;

Que os cagões dos clubes brasileiros tomassem vergonha na cara e botassem o Ricardo Texeira para correr da CBF. A multimilionária confederação não faz nada pelos clubes, mas os usa para encher seus cofres de dinheiro;

Que houvesse o Dia Mundial de gritar ‘Fuck you, FIFA’, com hora marcada para todos soltarem a voz em uníssimo mundo afora;

A aposentadoria do Héber Roberto Lopes (conversa com ele, Simon. Você já nos livrou de você mesmo. Não custa fazer algo mais...);

Que os analistas de arbitragem midiáticos perdessem seus empregos;

Que um lutador de vale-tudo desse uma camaçada de pau corretiva no Neymar. Nunca o imbecil e o craque estiveram tão presentes em um só corpo;

Que os jogadores fossem instruídos a não mais falar ‘onde que’, ‘professor’ e outros jargões afins. Também seria justo que eles parassem de agradecer a Deus como se fossem escolhidos do poder divino para tornarem-se vencedores;

Que os torcedores pacíficos como eu pudessem a voltar a tomar aquela cerveja de má qualidade no estádio. Há que se banir os imbecis e não a mão amiga na hora difícil;

Que os torcedores apoiassem os times de suas cidades;

Que meu time começasse a temporada em tempo de buscar o título;

Outras propostas são bem-vindas.

Club Rubio Ñu x Club Guarani

Da direita para a esquerda: na hinchada guarani, a senhora avantajada come por dois; Francisco Arce assiste a despedida de 2011 com ares e preocupação; mais trapos que torcedores em La Arboleda; Nery Cardozo comemora o primeiro tento do empolgante embate; o estranho salto de Cabral destaca-se no gol de empate do Guarani; o púbere Nildo Viera recebe o carinho dos companheiros. Fotos autênticas: Alessandro Bracht
.
Jogo: Club Rubio Ñu 2x2 Club Guarani
Data: 04 de dezembro de 2010
Competição: División Profesional
Local: Estádio Don Eduardo Acosta Caballero (La Arboleda)
Público: inferior ao número de árvores e trapos presentes

Afirmar que aquilo que acontece dentro de campo no futebol é apenas uma parcela do que o representa é mais que lugar comum. Aqui nesse espaço então... “Pronto, lá vem ele novamente para denunciar a corrupção das federações, as desigualdades econômicas, as mazelas sociais”, poderia dizer alguns dos meus contáveis seguidores/leitores. Não há como negar que, em se tratando de Paraguai, as chances de cair no tema não são as menores. Afinal, no Paraguai está a sede da Confederación Sudamericana de Fútbol (Conmebol), seu presidente desde 1986 – o sr. Nicolás Leoz – é paraguaio e o clube para o qual supostamente torce é aquele que em anos recentes assumiu o protagonismo do futebol local, seja dentro ou fora do país, o tal Libertad – clube de arquibancadas vazias que no último domingo conquistou o campeonato da primeira divisão pela quinta vez nos últimos seis anos. Apesar de razões para suspeitar, não se pode acusar por achismo. Porém, a manobra autoritária do sr. Leoz para tirar uma vaga brasileira na Copa Santander Libertadores de 2011 serve para mostrar que ele não é exatamente um homem de palavra – deve ser inclusive por isso que ele mantém tão boas relações com figuras como Ricardo Teixeira e Julio Grondona, outros dois expoentes da eternização ditatorial futebolística na América do Sul. Mas como a intenção primeira não é a da denúncia, ainda que ela tenha ocorrido em linhas frágeis, fica a ideia central de falar sobre o que acontece para além do campo em um espaço muito próximo, pelo menos geograficamente, ao mesmo, ou seja, a arquibancada (ou os assentos marcados, fazer o quê?). Porque existe uma relação que para muitos é direta e com a qual discordo: plateia numerosa e bom futebol. Se o estádio está tomado, existe a certeza de que em campo algo de bom ocorrerá. Se está pouco frequentado, a tendência é um jogo de murchas qualidades e pouca ou nenhuma emoção. Bons jogadores, instalações confortáveis, mídia, o que está em disputa, elementos que certamente atraem audiência. Mas ainda que seja inegável que uma torcida empolgada e numerosa tenha o potencial de gerar poderosos sons e belas imagens, ela ou sua falta não obrigatoriamente fazem do jogo o reflexo das expectativas. É o caso do confronto aqui em questão, pela última rodada do campeonato paraguaio de 2010, a División Profesional. Sem aspirações maiores que uma vaga para a Sul-Americana 2011, o Club Guarani visitou o Club Rubio Ñu nas dependências do pequeníssimo estádio apelidado La Arboleda, de arquibancadas de um lado e atrás das goleiras e de árvores imensas do outro, em um bairro de Asunción nomeado Santíssima Trindade. E as baixíssimas expectativas foram varridas por força de um jogo de futebol de fartas oportunidades de gol, que ora tornaram-se realidade, ora pararam nas mãos dos dois arqueiros. E certamente mais tentos não ocorreram na imprecisão de muitos dos chutes de dois times sem individualidades notáveis. Nesse último aspecto, os primeiros sete minutos foram do argentino Cesar Hugo Notário, atacante do scretch Guarani. Ele conseguiu o feito de arrematar duas vezes do lado direito da entrada da grande área em direção a lateral. Mais que isso, uma com cada perna. Mas ele faria coisas melhores no decorrer da partida, aparentemente de forma ocasional: no primeiro gol de sua equipe, ele se chocaria com um companheiro que pretendia o mesmo: a conclusão. Do chute simultâneo, a bola espirraria para cair nos pés de Nildo Viera, 17 anos e debutante no futebol profissional, marcar quase da entrada da pequena área aos 27 minutos. No minuto 56, mais uma notarice digna de nota: ao tentar cruzamento da lateral direita, o delantero-destaque quase encobre o arqueiro e conterrâneo Osvaldo Cabral. Seria um lindo gol. Entretanto, a despeito dos esforços individuais de Notário, houve muito mais. Da parte do Rubio Ñu, muitas e bem construídas jogadas pelas extremas, talvez produto dos ensinamentos de seu técnico Francisco Arce, histórico lateral-direito que chegou ao Brasil anônimo e saiu duas vezes campeão da América. Do lado direito do campo – mundo de Arce – se originariam os dois gols dos albiverdes. No primeiro, em uma cobrança de escanteio, a bola desviada para trás por um atleta do Guarani se ofereceria para Nery Cardozo concluir e marcar. O segundo iniciou com um passe preciso do meiocampista Robin Ramírez que chegou aos pés de Arnaldo Rodríguez. Este cruzou forte e rasteiro. Entre diversos pés defensores, venceu o de Osvaldo Hobecker. A bola, chutada de primeira, passou veloz pelo goleiro Joel Silva no minuto 42. O narrador da partida afirmou categoricamente que uma descarga elétrica atingiu as proximidades do estádio no exato momento do gol. Precisando da vitória, o Guarani tentou alcançar as redes do Rubio Ñu muitas vezes. A pressão aumentou depois da expulsão de Viera. E foi razoavelmente premiada aos 93 minutos, quando Julian Benitez (tente encontrar um jogo no Paraguai sem um Benitez) aparou um cruzamento no peito, deixou a bola descer e chutou antes que ela tocasse a grama amarelada. A pelota saiu fraca, mas passou entre tantas pernas e foi tão no canto que nada pode ser dito a respeito, se a proposta é culpar o já castigado Cabral, até então o nome do segundo tempo. Depois das celebrações e lamentações, bastou o jogo recomeçar no meio-campo para ser encerrado. Assim como também estava encerrada a temporada para os pequenos Rubio Ñu e Guarani. Ambos saíram de mãos vazias de 2010, mas deixaram ótima impressão para quem gosta de futebol simplesmente pelo que ele é (ou melhor, deveria ser). Pena que os fanáticos torcedores da comunidade Orkut do Manchester United não tenham visto a partida.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Al-Ahli Club x Al-Sharjah Sports Club

Da esquerda para a direita: da expressão física do futebol no chute de Ahmed Khamis à cenas de surpreendente (?) tolerância: "vem dançar comigo" (love is n the air...); sambinha fuleiro para comemorar o gol de Marcelinho; Canavarro sorri e aplaude a vitória do Ahli nas tribunas; o jovem torcedor com down entre os seus; lugar de mulher nos Emirados Árabes é na platéia. Fotos: Al-Essan-Dro Bracht
.
Jogo: Al-Ahli Club 2x1 Al-Sharjah Sports Club
Data: 26 de outubro de 2010
Competição: UAE Premier League
Local: Al-Rashid Stadium
Público: mil e poucos, se olhando para as estrelas...

A primeira incursão extra-ocidental e, através dela, a sensação do tamanho da missão de ser tolerante para além do discurso. Uma missão que inclui deixar de lado imagens previamente construídas e a estranhezas perante o outro. Ou seja, abandonar a xenofobia (no presente caso, ‘suave’), característica humana que, dependendo da forma como se manifesta, pode ser extremamente perigosa e por isso mesmo deve ser controlada. Pois o homem é menos racional do que supunham certos pensadores de um passado justamente ingênuo. Inteligência e autocontrole não significam razão, mas sim o esforço de segurar em rédeas a besta. E se o que até aqui está escrito parece dramático em demasia, que se faça a explicação através de perguntas que eu mesmo me fiz ao longo primeiro tempo: “quem é que vai assistir um jogo desses?”, “como pode um jogo de futebol ser tão ruim?, “esse narrador não cansa de tagarelar, e nessa língua horrorosa ainda?”, “por que o futebol foi trazido para esse lugar?”. Ocorre que essas mesmas perguntas poderiam ter sido feitas em outros dos jogos aqui cobertos. Não o foram apenas porque era o Ocidente – América do Sul e a periferia da Europa – e no Ocidente o estádio vazio é símbolo da fidelidade admirável de poucos; o jogo não é ruim, mas fraco tecnicamente e, por isso, emocionante; a locutor fala pelo menos algumas palavras que consigo identificar (torcida, no caso da Polônia) e o futebol lá está simplesmente porque pareceu sempre estar, ninguém o levou. Portanto, as tais perguntas foram formuladas apenas porque o lugar do futebol é o mundo árabe.
Identificado o mal da intolerância, basta deixá-lo de lado e escrever sobre a diversidade, aquilo que confere ao futebol praticado nos Emirados Árabes Unidos peculiaridades que o diferem do futebol vivenciado no Ocidente, tanto em campo como no comportamento dos torcedores. Pronto, agora me sinto um verdadeiro relativista! Mas a conclusão é que se me impusesse tal missão, não teria mais nada para escrever. Simplesmente porque é futebol e as diferenças, se é que existem, não estão na essência cultural. Muito ao contrário, e esse é justamente o desejo de quem investe em futebol por lá com seus famosos petrodólares: eles não querem mostrar ao Ocidente o quão diferentes são. Tanto que a presença estrangeira ocidental é relevante. Os treinadores são europeus: pelo Ahli, o irlandês David O’Leary, no Sharjah o português Manuel Cajuda. Em campo, três brasileiros e um burkinense. Nas tribunas, fora da partida, o zagueiro italiano campeão mundial em 2006, Fabio Canavarro, é a celebridade dos locais. E dizer que todos estão lá somente por dinheiro também não os torna muito diversos dos que atuam em gramados ocidentais. Tudo isso o próprio match pela oitava rodada da Premier League dos Emirados Árabes Unidos disse em termos práticos. A etapa inicial, causadora da crise etnocêntrica, teve alguma emoção na altura dos oito minutos, quando o scretch visitante somou duas chances em sequência: na primeira, o brasileiro Marcelinho testou com força um cruzamento oriundo o bico da grande área. O goleiro Obaid Mohamed espalmou para escanteio na companhia de um voo acrobático. Cobrado o corner, Al Kamali recebe a bola do rebote da zaga e chuta violentamente por cima da goleira. O esférico passa perto. Da arquibancada se ouvem alguns lamentos pois há torcida visitante também. Depois, o nada futebolístico motivado por um festival de faltas desnecessárias, daquelas praticadas por marcadores que simplesmente não reúnem condições de desarmar na bola. Dessas muitas infrações, bolas alçadas na área e nenhum aproveitamento. O 0x0 não surpreendeu (“e vai continuar assim! Futebol árabe... fala sério!”). Veio o segundo tempo e as mudanças foram radicais, especialmente a partir do pênalti em benefício do Ahli, cobrado e convertido por Pinga aos 65 minutos. O lance que o originou foi meio estranho, já que houve um choque aéreo entre dois jogadores e o árbitro entendeu como se o defensor brasileiro Gustavo tivesse deslocado o atacante Faisal Khalil no ar. O brasileiro, claro, chiou muito (“esses brasileiros, sempre dando vexame no exterior!”). Canavarro abriu o sorriso e comemorou. A intensidade das emoções aumentou quando pouco mais de um minuto depois Mohamed Surour foi derrubado na área e desta feita o pênalti, infantil, vale dizer o camisa 10 visitante estava de costas para o gol quando foi atingido pelo inábil defensor adversário. Jogo empatado através dos pés de Marcelinho, não sem antes as câmeras da televisão árabe mirarem a expectativa nervosa dos torcedores visitantes – comportamento padrão: o medo do fã diante do pênalti. Nos dez minutos seguintes, o jogo ficou aberto e as tentativas de ganhar o jogo se intercalaram. Até que um falta em frente a área do Sharjah definiu a partida. Ahmed Khalil cobrou com maestria no canto direito do arqueiro Mahmoud Al Mas. Ele nem se mexeu.Talvez tenha achado tão bela a conclusão que preferiu ficar somente olhando. Canavarro sim. Ele celebrou novamente. E os torcedores do Ahli também, sacolejando seus (ou suas?) kafias. Marcelinho ainda tentou carregar seus companheiros rumo ao empate. Não deu. 2x1 foi o placar final do jogo nos Emirados Árabes Unidos. Bom jogo, afinal. It’s only football but i like it... não importa se no Oriente ou no Ocidente.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Club Atlético San Lorenzo de Almagro x Club Estudiantes de La Plata

Chica mirando al sudeste em um domingo melancólico para os locais. Foto: Alessandro Bracht (na hora certa!)

Jogo: Club Atlético San Lorenzo de Almagro 0x1 Club Estudiantes de La Plata
Data: 03 de outubro de 2010
Competição: Torneo Apertura AFA Primera A 2010
Local: Estádio Pedro Bidegaín (El Nuevo Gasometro)
Público: o permitido pelas autoridades

Da nona rodada do Apertura 2010, este era o confronto mais importante. Mandante da partida, o San Lorenzo estava a quatro pontos de seu adversário naquela tarde e pleiteava uma vitória que o colocaria no encalço do líder, o próprio Estudiantes, por sinal. Jogo de grande público, entradas praticamente esgotadas – horas antes do confronto restavam apenas as caríssimas plateas, ao custo de 110 pesos argentinos – e todos os olhares voltados para um match que valia muito. Os originais de plantão o chamariam de jogo de seis pontos. Mas tratava-se de um partido sudamericano. E por mais que se tente alçá-lo a uma condição de grandiosidade, em seu entorno sempre haverá algo de futebol terceiro-mundista, termo esse em desuso graças aos eufemismos criados pelos mandatários econômicos do mundo pós-Guerra Fria para amenizar (ou maquiar) a condição de miséria e subserviência permanente da América Latina. Para o caso da partida em questão, a contradição principia no próprio local da partida. O estádio Nuevo Gasometro é o mais jovem da grande Buenos Aires. Sua beleza interior impressiona. É confortável também. Mas localiza-se em frente a uma favela – menos favela que as brasileiras, pois feita de casebres de alvenaria sem pintura – do bairro Flores, tomada de imigrantes bolivianos e peruanos em geral. Ou seja, quem vê a cancha todos os dias nunca pode adentrá-la. Na calçada que dá acesso às bilheterias e aos portões, crianças com fenótipo indígena e camisetas puídas do San Lorenzo jogam futebol entre quantidades infinitas de lixo. Do outro lado da rua, em frente às moradias, seus pais assistem à multidão passando. A calle, que não lembro o nome, representa a divisão social. Os incluídos, que marcham para os portões de entrada, e os excluídos, que assistem com seus olhares passivos e cabisbaixos, aqueles que remetem à dignidade autóctone há muito perdida. Dentro do estádio, apesar da intensidade das torcidas, havia também algo de tristeza. Entre a parte destinada a hinchada visitante e o espaço maior pertencente aos cuervos, aproximadamente dez mil lugares vazios, justificados por razões de segurança, já que na sexta rodada do torneo torcedores do San Lorenzo e do Vélez Sarsfield entraram em choque entre si e depois, claro, com a polícia. Como adoram brigar as barras da Argentina. Não há campanha pública ou ação policial que dê fim a essa tradição.
Resta falar do jogo, e dele há realmente bem pouco para falar. Contrariando expectativas, não houve paridade e tampouco a equipe local deu sinais de que poderia ganhar. Nos primeiros 20 minutos, domínio completo dos de La Plata. Três chances cristalinas; duas pararam nas mãos competentes do arqueiro Pablo Migliore. A outra, uma surpreendente furada do matador Gastón Fernandez, em cruzamento que chegou a beira da pequena área, foi para a linha de fundo. Mas ‘La Gata’ voltaria a cena para marcar um gol daqueles. Aos 26 minutos ele recebe um passe pelo alto, entre os zagueiros. Mata a pelota com o pé direto, coloca-a no chão, puxa com a sola do mesmo pé, deixa um zagueiro e o goleiro no chão e marca de pé esquerdo. A bola entra rasteira e cruel na meta de Migliore. Fernandez comemora discretamente em frente a sua torcida. Ele já vestiu a camiseta do San Lorenzo, foi campeão nacional em 2007 e, assim sendo, é respeitoso com aqueles que um dia gritaram seu nome. Há comentaristas brasileiros que dizem que não comemorar efusivamente um gol contra o ex-clube é palhaçada. Eu acho digno. Ao ser substituído por Maximiliano Nuñez, nos 66 minutos, foi aplaudido pelos locais e retribuiu. O mesmo não aconteceu com o goleiro Augustín Orión, também ex-San Lorenzo, vaiado efusivamente ao entrar e sair de campo, marcado que é por uma falha na Taça Libertadores da América em 2008. Mas enfim, feito o gol, a partida poderia ter encerrado, pois praticamente nada mais aconteceu. O Estudiantes porque preferia que nada acontecesse, o San Lorenzo porque não conseguia fazer acontecer. Suas únicas jogadas eram os lançamentos pelo alto e cruzamentos do bico da área em busca do centroavante uruguaio Sebastián Balsas, quase dois metros de altura. Pouquíssima habilidade com os pés e nenhuma efetividade com a cabeça. Deu em nada, claro.
Dito quase tudo que havia para se dizer, pois de poucas coisas foi a partida, faltam duas notícias: em primeiro, a despeito de, na aparência, ser o melhor, por tudo estava em questão, esse foi o pior jogo de todos que cobri. E olhem que já estive na quinta divisão da Inglaterra e nas quartas divisões da Itália e da Argentina. Realmente um match muito chato. Em segundo, deixo meus sinceros e essenciais agradecimentos ao policial sem nome. Este cidadão, que obrigação nenhuma tinha comigo, me acompanhou até um local seguro (nenhum táxi parava, a noite chegando e eu sozinho na favela), desde onde tomei um ônibus para o centro da cidade de Buenos Aires. Não fosse ele, talvez não estivesse escrevendo esse post agora. Grande pessoa! Depois do panelaço de 2001, os bonairenses tornaram-se gentis de fato. Dale!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Jagiellonia Białystok SSA x Aris Thessaloniki F.C.

Da esquerda para a direita: Toni Calvo converte a penalidade máxima; o autor do gol desaparece entre as saudações de seus companheiros; Na Polônia, o árbitro realiza um ato de 'solidariedade' (infame essa!); Hector Cúper ensaia alguns passos da cumbia; o jogador do Jagiellonia esconde o rosto atrás daquela que o tortura; em homenagem as seguidoras, torcedores gregos desnudos e suados no verão polonês. Fotos: Alessandro Bracht

Jogo: Jagiellonia Białystok SSA 1x2 Aris Thessaloniki F.C.
Data: 29 de julho de 2010
Competição: UEFA Europa League
Local: Hetman Stadium
Público: bom e entusiamado

Quando Michel Platini assumiu a presidência da Union of European Football Associations (UEFA) em 2007, derrotando o candidato da situação Lennart Johansson – o sueco que reinava desde 1990 – forjava-se a promessa de novos tempos no futebol europeu. Clubes que não pagassem suas dívidas, não importando seu tamanho, estariam alijados das competições européias, a importação de jogadores seria limitada em nome da formação de talentos locais, o monitoramento das apostas que não raro determinam resultados de partidas antes das mesmas acontecerem seriam rigorosas, os países periféricos no futebol receberiam maiores oportunidades nos torneios continentais. Passados três anos, a despeito de algumas boas surpresas como um certo funcionamento na repressão à manipulação de resultados e decisão de realizar as finais da Euro 2012 na Polônia e na Ucrânia, o estado de coisas não mudou muito. Poderia se dizer que as três primeiras colocadas na Copa do Mundo foram seleções européias e isso indica que os jogadores locais estão com maior espaço, mas o vexame de três das maiores nações importadoras serve de réplica direta a essa premissa otimista. França e Itália, duas seleções envelhecidas e sem perspectiva de renovação em curto prazo, ficaram incontestavelmente presas à fase de grupos. Chegaram na Copa da África mais pela ruindade dos adversários e por um erro crasso de arbitragem, no caso francês. A Inglaterra, representante do país com aquele que é considerado o melhor campeonato “nacional” de todo o mundo, reúne grandes jogadores sem formar um time, mas os principais clubes são legiões excessivamente estrangeiras. Não é raro o comentário em jogos do Arsenal que não há sequer um jogador inglês entre seus onze titulares. A isso soma-se o fato que alguns dos maiores clubes ingleses não pertencem a ingleses, mas a proprietários estrangeiros, que se lixam para os problemas internos. Perante esse perigo, a UEFA também é impotente pois está rendida à legislação de cada país. O melhor que a entidade pode fazer então é organizar as competições continentais e, discurso eminentente platinista, torná-las espaço de oportunidade para todos. A UEFA Europa League, o torneio secundário – UEFA Champions League é a celebridade – procura representar essa idéia de participação irrestrita. Assim como a Champions League, ela oferece vagas diretas aos países mais bem ‘rankeados’ (posição diretamenta atrelada a riqueza de cada um com um leve toque de mérito) e proporciona à periferia a disputa por vagas através de fases eliminatórias, o chamado qualifying. Sintoma de igualdade? Na prática, não. Pois como diria o militante de esquerda que perdeu o trem, abrir a participação de todos não reduz as desigualdades se as condições de reprodução da riqueza não forem verdadeiramente transformadas. É o que transparece no jogo do qual finalmente se falará, pela terceira fasse classificatória para a etapa de grupos da Europa League. Uma boa partida, se vista isoladamente do contexto maior, mas também uma partida que provavelmente não levará ninguém a lugares muito diferentes. Ao time local, o polonês Jagiellonia, a derrota em casa, selada com sete minutos, apenas a participação em si mesma. Ao scretch grego do Aris F.C., a chegada a fase de grupos não parece impossível – o técnico argentino Hector Cúper no banco indica alguma capacidade de investimento. Mas deixando essa para trás, o provável confronto com um dos rebaixados da UCL (sim, para completar o ocaso dos menores, os terceiros colocados da primeira fase da Champions League ganham vaga na Europa League) tem tudo para ser o definidor da eliminação. E isso não é exercício de futurologia; é somente a expressão do óbvio.
Mas já que, como dito anteriormente, é possível isolar o evento do seu contexto amplo, vale descrever um pouco mais daquilo que foi o jogo, uma vez que apesar da impressão inicial de um possível goleada dos visitantes sobre os locais, a vontade dos derrotados em reverter a situação perante uma torcida participativa promoveu emoções e o consequente festival de ruídos e gestos tipicamente futebolísticos – se você frequenta o estádio sabe do que falo. Ela apenas não foi o bastante porque em um jogo de poucos talentos individuais, aquele que tem sua virtude mais desenvolvida pode reinar. Entre os gregos, o espanhol Toni Calvo, não faz muito uma promessa entre os jogadores da base do Barcelona, cumpriu essa função. Marcou de pênalti aos quatro minutos, após Daniel Cesarec ser derrubado de forma nada discreta, e aos sete, quando correu por trás da zaga e, caindo, aparou um cruzamento vindo da lado direito, quase na pequena área. O keeper Sandomierski participou de forma meramente estética, pulando no mesmo lugar de braços e pernas abertos enquanto a bola seguia rasteira para as redes. Beirou o ridículo naquele instante e depois seguiu dando demonstrações claras de despreparo para sua missão. Então o descaso do Aris veio a tona em um jogo que parecia resolvido e o Jagiellonia resolveu acreditar no imponderável. Aos 23 minutos, numa jogada de gente grande, Frankowski lançou Kamil Grosicki, o melhor atleta polonês em campo, de habilidade invejável para os padrões locais. Este cruzou rasteiro da ponta direita para o meio da área. Rafal Grzyb, chega decidido, chuta forte e vence o goleiro Michalis Sifakis, até então figura praticamente decorativa não fossem alguns cruzamentos aparados e as cobranças de tiro de meta. Mudou quase tudo. O fleumático Cúper passou a gesticular e gritar. Michal Probierz, o abatido treinador polônes não mais abandonou a área técnica entre instruções e lamentações a medida que o tempo passava e as chances criadas eram desperdiçadas. A torcida inquieta mesmo no pior momento inflamou-se. Grosicki, depois do primeiro acerto (aquele do gol), foi tomado pela empolgação e lutou ainda mais. Ocorre que, além do gol, não houve mais jogadas em que todos acertassem ao mesmo tempo. Quando Fulanowki acertava, Cricranowicz errava e vice-versa. O bom passe virava um mal chute ou o primeiro bom passe tornava-se um segundo de lamentar. Havia inclusive um Lato pelo Jagiellonia - alguém lembra do original? O jogador com sobrenome de craque deixou o campo substituído e de cabeça baixa aos 60 minutos. E o tempo acabou e as suspeitas de que os dois tentos de Calvo teriam decidido o jogo acabaram confirmadas. E assim o torneio para todos vai se tornando o torneio para quase todos até confirmar-se como mais um torneio para os mesmos de sempre. A distribuição de vagas sem distribuição de renda está longe de resolver as contradições do futebol europeu.

terça-feira, 20 de julho de 2010

NK CM Celje x NK Domzale

Da esquerda para a direita: o chute para o alto e avante, uma das marcas do primeiro tempo; as artes marcias recebem seu espaço ao longo da partida; o 1% mais interessante da torcida concentrada no mesmo setor da Arena Petrol; Juninho e a obsessão brasileira em exibir a bunda; a Jabulani encontra as redes no gol de Smukavec; o autor do gol parte para a celebração. Fotos: Alessandro Bracht

.
Jogo: NK CM Celje 0x1 NK Domzale
Data: 17 de julho de 2010
Competição: Pvra Liga Telekom Slovenije
Local: Arena Petrol
Público: em torno de 400

De todas as repúblicas que se formaram a partir da dissolução da Iugoslávia entre o começo e a metade dos anos 1990, a Eslovênia foi aquela que menos sofreu com as guerras de limpeza étnica que levaram milhares de eslavos do sul para a morte. A razão objetiva para ela ter escapado com mínimas feridas se concentra no fato de que seu afastamento geográfico da Sérvia a protegeu. O mais ocidental dos territórios iugoslavos sangrou pouco pois seu contingente populacional sérvio era insignificante. Para o criminoso vestido de presidente Slobodan Milosevic não havia a quem salvar, ainda que economicamente a Eslovênia tivesse alguma importância, já que, à época, representava 20 por cento do Produto Interno Bruto e um terço das exportações, além de fazer fronteira direta com a Europa Ocidental, já que vizinha da Itália e da Áustria. Mas para saber em letras e tintas porque o Rio Drina ficou vermelho-sangue, proponho as obras de Joe Sacco – Área de Segurança Gorazde e Uma história de Sarajevo - recomendações já feitas em post de outubro de 2009. Ele, mais que ninguém, contará com realismo essa triste saga de guerra e barbárie. Depois dele, somos autorizados a assistir livre de dúvidas históricas os filmes de Emir Kusturica.
Falando no bósnio Kusturica, fã incondicional de futebol e do Maradona, os efeitos da dissolução da Eslávia do Sul recaíram também sobre o futebol. Além da criação de campeonatos nacionais de apelo popular mínimo, do esvaziamento dadas as exportações dos principais talentos locais, do universo das apostas ilegais interferindo nos resultados, da repetição dos clubes que conquistam suas respectivas ligas, o mundo do futebol perdeu uma das mais talentosas seleções nacionais até então conhecidas. Mesmo sem conquistas, a equipe da camisa azul e da estrela vermelha, minha seleção de preferência na infância, deixou um rastro de beleza, hoje apagado por representar um passado que os iugoslavos procuram negar. Tempo ao tempo. A terra de todos os culpados ainda mira suas cicatrizes e seus prédios marcados a fogo.
Sem as marcas profundas que ainda afetam sérvios, bósnios, croatas e kosovares, a Eslovênia se iguala em males futebolísticos aos seus vizinhos. Dos problemas elencados acima, não tenho provas sobre as apostas. Mas os demais estão lá para serem olhados. E quem entra em campo ou vai a campo, ao menos pelo visto no match entre Celije e Domazale, parece tocado por essa atmosfera de pouca motivação. Mesmo levando em consideração a platéia pequena, o silêncio nos assentos da Arena Petrol surpreendeu. E a apatia dos jogadores no primeiro tempo, quebrada apenas por alguns arroubos de violência – jogo morno com artes marciais é uma combinação atípica – deixava claro que o entusiasmo como legado da participação da Eslovênia na Copa do Mundo 2010 não se cumprirá, como, aliás, não se cumpre em lugar algum.
Ainda sobre a etapa inicial, as coisas poderiam ter resultado diferentes se Juninho, brasileiro nascido em Arapongas (SC), tivesse sido mais econômico. Apenas com o goleiro Mujcinovic a lhe fazer frente, pouco antes da entrada da grande área tentou colocar por cobertura com os dois cantos disponíveis. Errou o alvo e evitou que o Domzale saísse na frente logo no começo do jogo. Tentou fazer um lindo gol ao esquecer que, se tivesse condições para tanto, ele provavelmente não estaria jogando na Eslovênia. A manutenção do 0x0 nos 45 minutos iniciais teve ainda as mãos do keeper Brljak como responsáveis. Ele foi autor da melhor defesa da partida, já nos instantes finais, após um chute forte a meio metro da pequena área, de primeira, resultante de um cruzamento de não sei quem para não sei quem. Tão impressionante foi a referida defesa quanta a qualidade das informações dadas para descrever os demais participantes da jogada.Veio o segundo tempo e com ele doses de emoção forjadas no desejo de ganhar da equipe local. Ainda que o estado da torcida permanecesse idêntico, lembrando a ruidosidade dos fãs de tênis, os jogadores honraram o esporte que escolheram praticar e através do qual sobreviver. Aí faltou melhor pontaria e menos dedicação de Brljak (e a bola era uma Jabulani!), novamente responsável em duas ocasiões pela virgindade da rede. Somadas as chances, o NK Celije poderia ter resolvido o jogo antes da metade do segundo tempo. Seguiram-se alguns minutos de apatia até os visitantes se tocarem que lhes era permitido agredir também. Dos 75 minutos em diante o NK Domzale se botou no ataque. Após três situações claras, incluindo uma cabeçada de Vidovic, que passou a micrômetros da trave, e mais alguns cruzamentos errados, veio o acerto. Da esquerda, Dalibor Teinovic centrou rasteiro para o jovem reserva Jernej Smukavec chutar de dentro da área, alto e com força, mas finalmente na direção certa (observem que desta vez eu prestei atenção aos nomes dos participantes da jogada). E aqui nem se pode recorrer ao jargão do gol que calou a torcida local. Assim, aos 87 minutos o placar estava definido. Algumas bolas lançadas à área pelo Celije foram o último recurso, mas nada demais aconteceu. Nada demais. Seguindo a proposta do post anterior, deixo essa como dica de slogan para a Pvra Liga Telekom Slovenije.

Mea culpa

A ameaçadora publicidade da Kulula Airlines

Admito sem reparos, pois não sou de ficar culpando os outros. Entreguei-me à Copa do Mundo FIFA. Deixei meu grito irredentista esmorecer, permiti que minha voz (que talvez não chegue a ninguém, mas e daí?) se calasse perante uma competição que é pouco mais do que a expressão de um mundo corrompido, ao qual não quero pertencer. Uma competição da FIFA. A FIFA que ordenou a detenção de um grupo de holandesas deliciosas sob a alegação de que elas faziam publicidade ilegal no entorno e dentro do estádio, que nem lembro qual era. Talvez o Sucker City. A FIFA que conseguiu através de seu poder retirar de cena a publicidade da empresa aérea sul-africana Kulula – reproduzida acima - sob o argumento de que havia "benefício promocional pela criação de uma associação não autorizada com a Copa do Mundo FIFA" apenas porque ela se afirmava como “o transporte não-oficial você sabe do quê”. A FIFA que proibia que os pobres africanos vendessem suas bandeiras e vuvuzelas nas proximidades dos estádios, caso não fossem produtos autorizados pela própria – inacessível aos pobres, claro. Uma simples camiseta com a inscrição 2010 e nada mais podia ser apreendida como produto ilegal. Pubs estavam terminantemente proibidos de anunciar a transmissão dos jogos, ainda que tenham pago para isso. Se houvesse o uso combinado da bandeira da África do Sul com uma bola ou com a vuvuzela fosse onde ou em que fosse, pronto, também não podia. Como disse o secretário-geral da FIFA, Jermone Valke, “uma estádio é um perímetro da FIFA (...) Dentro desse perímetro existem pessoas que tem direitos e pessoas que não tem direitos”. E eu, preguiçosamente, me calei. Deitei em berço esplêndido para ver jogo após jogo, transmissão após transmissão. E não há desculpa. O futebol não parou mundo afora. Na América do Sul, Peru e Equador tocaram suas competições nacionais; na Europa, aproveitando o verão, países de inverno gelado como Finlândia e Lituânia seguiram suas vidas. Para eles as coisas não mudam muito mesmo. Alijados da Copa do Mundo desde sempre, no caso europeu, e de raras participações no que tange aos sudamericanos – o Peru esteve em sua última Copa em 1982 enquanto o Equador participou de apenas uma (2006) –, não havia porque ficar sentado em frente a televisão mirando a vida dos outros. Tampouco o público dos estádios aumentou ou diminuiu nesses lugares por disputar espaço com a competição que, segundo a ESPN Brasil, fazia com que nada mais importasse (de forma relativamente contraditória, já que seus jornalistas insistentemente não deixavam de denunciar aquilo que consideravam injusto em um país de tantas injustiças). Então, como expiar minha culpa? Voltando. Não há muito mais que eu possa fazer. Haverá futebol em países esquecidos pelo mundo do futebol de plástico. E eu estarei lá, no mais das vezes em espírito. Sempre. E haverá, claro, a sangria financeira resultante das obras para a próxima Copa do Mundo, que mais uma vez acontecerá em um país desprovido de condições reais para sediá-la, e que merecerá ser sempre denunciada. Aliás, recomendo que o slogan da próxima Copa do Mundo seja: “Welcome to the house of dolls”. Pois quando a brincadeira acabar, a casa ficará vazia.


terça-feira, 13 de abril de 2010

Club Deportivo Los Millonarios x Independiente Santa Fe

A hinchada do CD Los Millonarios, às portas do rebaixamento, pede o que todos desejamos. Foto: Alessandro Bracht (mais uma vez, in loco y loco!)
.
.
Jogo: Club Deportivo Los Millonarios 2x1 Independiente Santa Fe
Data: 28 de março de 2010
Competição: Liga Postobon
Local: Estádio Nemesio Camacho (El Campín)
Público: Muito para a Colômbia, médio para um clássico
.
Há um pouco de Porto Alegre em Bogotá, uma dose de Olímpico no El Campín. Pois quando soou o hino nacional da Colômbia, poucas vozes o acompanharam em meio a quase total indiferença. Mas na vez do hino da capital, os muitos presentes (especialmente para os padrões de público da Liga Postobon) cantaram-no como se fossem um. Além do localismo na veia, o jogo em questão tinha algo mais de sul-riograndense: tratava-se do clássico de Bogotá, rivalidade intensa, azul contra vermelho, um time em crise contra outro em busca das primeiras posições – a chamada gangorra do futebol, típica de uma cidade-Estado com apenas duas forças. Mas justamente pelos elementos que o envolviam, um match que é pura exceção no atual cenário do futebol colombiano, tão celebrado e visível no apagar da década de 1980 até a metade da seguinte, através da seleção nacional de muitos bons jogadores e egos inflados, e dos dois times que fizeram belas figuras na então chamada Taça Libertadores da América (hoje Copa Santander), o Atlético Nacional, de Medellín – campeão em 1989 e vice em 1995, e o América de Cali, finalista 85/86/87 e 96, mas hoje de estádios semivazios, de ausência em Copas do Mundo, de participação pálida em competições clubísticas internacionais.
Como explicar essa transformação? Ora, tudo desabou rápido pois grande parte do financiamento para essas duas poderosas equipes vinha daquele setor econômico que ainda estigmatiza a Colômbia, ou seja, o narcotráfico dos grandes cartéis, extintos graças à ação conjunta dos governos norte-americano e local. Simplificando, os Diablos Rojos eram controlados pelos irmãos Rodríguez Orejuela; o Atlético Nacional vivia as expensas de Pablo Escobar. O Millonarios, com menor destaque internacional, vivia daquilo que o periodista britânico Henry Mance chamou de “generosidade” da parte de Gonzalo Rodríguez Gacha, conhecido como “O Mexicano”. E o último clube colombiano a se destacar foi a surpresa da Libertadores 2007, o Cucuta Deportivo, que em temporadas consecutivas venceu a segunda (2005) e a primeira divisão (2006) até chegar a semifinal da principal competição continental da América do Sul. Com esse 'cartel' de vitórias, não foi de se surpreender a descoberta que o Cucuta tinha o suporte de Jorge 40, líder paramilitar e hoje morador da prisão de Itagui. Sobre o Once Caldas, estranho campeão da Libertadores em 2004, não há reparos que tenham chegado ao conhecimento público e ninguém pode ser culpado por suspeita. A tabela de posições diz algo mais a respeito do atual estado de coisas: o primeiro colocado é o Tolima. Até três rodadas atrás, o líder era o Real Cartagena (4º). O Nacional é o nono, enquanto América (16º) e Millonarios (17º) não fazem mais que lutar contra o indecoroso rebaixamento.
Hora de deixar a tristeza de lado. Vivas ao futebol e a sorte deste que vos fala de estar em Bogotá justamente no domingo do derby da capital colombiana. De dois amigos que estiveram no El Campín para um jogo do Independiente Santa Fe, só tive as piores notícias: torcida pequena e pouco empolgada, jogo lerdo e sonolento. Mas não era um clássico que não era ganho pelo Millonários havia dez ocasiões. E não era um jogo que poderia colocar o Santa Fe na cola dos líderes de então. Desde o princípio, entretanto, o Millonarios parecia o único interessado em vencer, pois em pouco mais de 20 minutos criou quatro chances daquelas que somente um time as raias do descenso consegue perder. Depois de um período de bola presa no meio-campo, os de azul voltariam a carga, desperdiçariam mais um par de chances e o primeiro tempo acabaria. Ficou no ar aquele medo de que os desperdícios cobrariam seu preço na segunda etapa. Não foi o que ocorreu. No seu primeiro minuto, Luis Mosquera cabeceou um cruzamento de Esteban Ramírez e desengasgou a torcida do conjunto ‘Embajador’. Sem coragem para buscar mais, mirando aquele 1x0 e os três pontos como uma espécie de milagre em meio ao caos, os albiazules recuaram e o Santa Fe passou a cercar sua área. Um cerco sem muita efetividade, mas que, claro, desperta a neurose de uma torcida que assiste sua equipe em profunda crise e está sempre vendo o pior acontecer. Uma dose de alívio viria aos 26 minutos, quando o rojo Juan Quintero deixou a mão na cara de Elvis Perlaza e recebeu um cartão para combinar com o uniforme que vestia. Doze minutos depois, veio o segundo gol, através de John Ulloque (só falta a mãe dele me dizer tratar-se de um tributo ao pré-iluminista John Locke), que recebeu o passe diretamente da trave e ficou com a glória. Alívio, delírio azul nos acentos em que ninguém senta. Isso até os 47 minutos, hora do desconto do Santa Fe, que suspendeu a respiração dos Millos até o apito final de Óscar Ruiz, o único colombiano que deve colocar os pés nos gramados da África em 2010.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Club Gimnasia y Tiro x Club Atlético Famaillá

Entre faixas e bandeiras, a visão imprecisa da partida. Foto: Alessandro Bracht
.
.
Jogo: Club Gimnasia y Tiro 1x1 Club Atlético Famaillá
Data: 24 de janeiro de 2010
Competição: Torneo Argentino B
Local: Estádio Gigante del Norte
Público: passou dos cinco mil
.
A distância temporal entre a data da partida e sua crônica faz da sua descrição em si mesma um exercício desprovido de sentido. Mais de um mês se passou desde que o Gigante del Norte, casa do Gimnasia y Tiro, recebeu o match de um dos grupos regionais da quarta divisão do futebol argentino. Além disso, esse que vos escreve estava em um lugar do estádio em que pouco da partida podia se ver e com a consciência em estado alternativo pelas próprias alternativas que se ofereceram antes e durante o evento. Daquilo que enxerguei e recordo, o gol dos locais, muito bonito por sinal: um passe entre os volantes que chegou até o atacante Ariél Aragón. Ele cortou para a esquerda o último defensor e da entrada da área chutou reto e forte para não dar escolha ao goleiro Gómez que não buscar a bola dentro da meta. O tento de empate, suponho, foi de cabeça, jogada estranha e assistida entre bandeiras, faixas e braços em movimento. Aldonate, do bico esquerdo da pequena área, deu de coco na bola. Esta encobriu o keeper Valdivieso, entrando no lado oposto da goleira. Mas reforço: talvez tenha sido assim... Como la pelota chegou a Aldonate, não sei. No mais, posso afirmar que o millonario teve outras boas chances e, assim sendo, não pode reclamar da sorte.
Portanto, vale aqui falar daquilo que realmente vi, ou seja, daqueles que não tem voz quando não se trata de perder a voz nas tribunas (eu já devo ter dito algo assim): os torcedores, ou hinchas, reunidos em sua banda ou barra, já que no presente caso está se levando em consideração a Argentina, terra de incansáveis apoiadores (e de muitos problemas também, vide casos recentes como a guerra entre facções rivais do Newell's Old Boys, da cidade de Rosário). Incansáveis e dignos de admiração, pois estar onde estive, mas estar sempre e em nome de uma equipe que navega na invisibilidade da quarta divisão é tarefa para fortes. O que faz pensar, acima de tudo, o que motiva alguém que se diz torcedor ir ao estádio, um lar para muitos, com a sanha de vaiar? Torcedores de times da Série A de um futebol celebrado mundo afora, que deveriam agradecer aos deuses do futebol pelo que tem, amam vaiar e julgam que o que fazem é exemplo a ser seguido por todos. Admito, como torcedor praticante, que os devotados mereceriam ter seus apelos escutados em questões pontuais como a escolha do modelo da camiseta, construção de um novo estádio e outros quetais, representativos, enfim, da imagem do clube perante o mundo que o cerca. Mas qual o efeito da vaia, especialmente quando ocorre durante o jogo e é, por exemplo, dirigida a um jogador específico? Piorar algo já ruim. Reforço o que escrevi em outra ocasião: vaia só se justifica quando há má vontade daqueles que estão em campo.
Lembrando dos hinchas do GyT e sua devoção desesperançada, que tem como maior glória ser o único time da cidade a ter frequentado a divisão principal do futebol argentino por uma temporada (Apertura 1997 e Clausura 1998) antes de sucessivos rebaixamentos, mais do que nunca passei a desprezar os protagonistas da vaia - a própria palavra já soa repulsiva. Reconheço que estar na cancha, naquela tarde calorenta de janeiro, foi umas das grandes experiências futebolísticas da minha existência, mas viver sem esperança, sem projetar a possibilidade de colocar os pés em uma competição de relevo não é algo que se deseja ter para sempre. Mas deveria ser esse o destino daqueles que vaiam incansavelmente: uma espécie de campo de trabalho forçado onde os condenados seriam obrigados a torcer por clube que só leva laço. Uma vez livres após algumas temporadas, eles teriam se transformado em fiéis torcedores, arrependidos de seus pecados. Claro que esse seria um caso de condicionamento, e não de amor incondicional. Isso não se aprende à força. Ao final do jogo, para tomar um exemplo real, o hincha-guia, jovem torcedor apaixonado que poderia estar em frente a TV assistindo a Premier League e dizendo-se torcedor do Man Utd, e que me conduziu ao meio da banda com muita educação e informação, estava naturalmente desiludido com o empate. "Empezamos mal", dizia ele repetidas vezes. Antes da despedida, pediu que eu esperasse um pouco pois ele ia ao WC. Foi barrado por policiais loucos pela cancha finalmente vazia e por um resto de domingo. "Fui expulso da minha própria casa", foram suas palavras antes de tomarmos rumos distintos. Mesmo assim, maltratado, ele e tantos outros estariam lá no próximo jogo, como sempre. E sem vaiar. Pois de nada adianta. Pois isso é saber amar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Entre Los Santos

As arquibancadas do estádio Fray Honorato Pistoia. Foto: Alessandro Bracht

Apesar de toda a entrega a descoberta de clubes do underground futebolístico mundo afora, rumei para Salta apenas com algum conhecimento do Centro Juventud Antoniana, a.k.a El Santo. Sabedor de que não jogaria como local nos meus dias salteños, notícia frustrante, a missão era conseguir a bonita camiseta da equipe. Inicialmente, pareceu impossível, apesar da quantidade significativa de antonianos exibindo-a pelas ruas. E foi graças a dois deles que percorri todas as casas de material esportivo do centro de Salta. Ocorreu assim: sem outra alternativa, interpelei dois adolescentes locais que vestiam o uniforme do CJA e lá fomos nós em uma busca que se revelou inglória. A explicação para a falta do produto foi a de que o comércio estava a espera da nova camiseta, que só chegaria em 10 de fevereiro. Estranho, pois o torneio já estava indo para sua terceira rodada. A da temporada anterior, esgotada. Acostumado a produção massiva de camisetas no Brasil e de, terminadas suas validades, encontrá-las no balaio, também achei curioso. Ao final de um par de horas, eles recomendaram que eu fosse ao estádio. Lá, eu encontraria o que buscava. Agradeci e os liberei da missão, pois creio que a dupla, apesar de toda camaradagem e boa vontade, tinha outras adolescências para cometer naquela tarde. Mas, enquanto durou, a conversa foi divertida. O futebol e meu retardamento opcional romperam o choque de gerações - aliás, estou ficando bom nisso. Os chicos antonianos estavam parcialmente certos, pois na cancha do Juventud Antoniana não encontrei apenas a camiseta, mas um ambiente interessado e satisfeito com minha presença. Recebido pelo secretário do clube, que estava em companhia de um senhor sexagenário - o fiel e eterno roupeiro de todas as categorias - não foi preciso pagar pelo que desejava: questionado por Holgar Volver (o secretário) de onde vinha, afirmei que era de Porto Alegre e hincha tricolor. Algo surpreso, perguntou se eu não tinha uma camiseta do imortal. Ela estava na mochila, esperando por aquele momento. 130 pesos economizados e, muito mais que isso, o modelo retrô 1981 deixado para adornar a sede do Centro Juventud Antoniana, ao lado de outras que saíram das mochilas de outros viajantes que amam aquilo que é impossível não amar. Acabei tomando meu caminho e logo vi o quão pelotudo havia sido: apesar da cordialidade, com direito a convite para assistir ao jogo seguinte nas tribunas (que me incomoda não ter aceito por ter de seguir viagem no dia anterior à partida), não fiz foto alguma. Ciente do pecado, voltei dias depois e pude pisar no gramado do estádio Fray Honorato Pistoia, vazio de público, mas cheio de alma futbolera. O único movimento em campo estava na conta de alguns jovens da categoria de base que treinavam sob o sol de satã, comandados por um técnico que não parecia ter mais de 20 anos. Foi a primeira vez na minha vida que entrei em campo por onde entram os jogadores. O que para muitos seria migalha, para mim foi um glória futebolística, um delírio de infância resolvido sem terapia. Após meu retorno à capital sul-riograndense, boas notícias chegam sobre Los Santos: depois de cinco rodadas, o CJA está em segundo lugar, com dez pontos, na perseguição ao tradicional Talleres de Córdoba, clube que não faz muito tempo atuava na primeira divisão do futebol argentino. A promoção é sempre uma missão difícil, especialmente quando não direta, pois exige confrontos em sistemas de playoff contra um dos clubes da divisão acima que está na condição de rebaixado indireto. O sucesso dos que vem de baixo é raro. A missão dos antonianos é romper com essa lógica em 2010.

Um olhar sobre o futebol em Salta

La hinchada do Gimnasia y Tiro aguarda a abertura da temporada no Gigante del Norte. Foto: Alessandro Bracht

Salta, província ao norte da Argentina, há mais de mil quilômetros de Buenos Aires, é um lugar bom para se estar quando, entre outras coisas, se gosta de futebol. Pois a cidade de mesmo nome e capital da província reúne alguns méritos futboleros que merecem referência. Em primeiro, apesar de não contar com nenhuma equipe na Primera A, a divisão principal do futebol argentino, ou mesmo na Primera B, os torcedores existem e não estão lá pela comodidade de prestarem adoração aos vencedores da capital federal. Tais clubes são atrações efêmeras no torneio de verão local, que em 2010 contou com Racing Club, Independiente e River Plate - o que suscita uma brincadeira que perdeu o sentido em função dos últimos acontecimentos. Quando na primeira divisão, os torcedores do Gimnasia y Esgrima, da província vizinha de Jujuy, ironizavam os salteños com a máxima que dizia algo como: se querem futebol no verão, visitem Salta. Se querem futebol o ano inteiro, visitem Jujuy. Mas há um par de anos, os de Jujuy foram rebaixados e o chiste temporariamente suspenso. Assim que, pelas ruas, muitos caminham exibindo as camisetas do Centro Juventud Antoniana, do Club Gimnasia y Tiro e do Club Atletico Central Norte. Enquanto os antonianos atuam em uma das terceiras divisões da Argentina (Torneo Argentino A), Gimnasia y Tiro e Central Norte ocupam o mesmo grupo de uma das quartas divisões regionais, o Torneo Argentino B, ao lado de equipes de localidades como Tucumán e Concepción. O mérito seguinte é que a cidade não conta com nenhuma equipe que tenha tido a pobre idéia de vestir o vermelho, algo que dá cores pacíficas ao futebol de Salta. E assim é. Pelo menos segundo seus interlocutores locais. Se há rivalidade? Sim. Se ela resulta em alguma violência? Não, garantiram todos aqueles com quem falei. Há cânticos maldizendo o adversário e isso não poderia deixar de acontecer, mas, aparentemente, nada além disso. A atmosfera da cidade e do jogo em que estive - assunto para logo mais - deram sinais desse comportamento futebolisticamente exemplar. Entretanto, na partida que ocorreu pela terceira rodada do Argentino B, a banda millonaria foi proibida, a pedido da polícia de Tucumán, de visitar a cancha do La Florida. Também o torcedor que me passou a maior quantidade de informações sobre seu clube afirmou que, no alto de seus 18 anos, sua mãe o proibia de ir aos jogos fora de casa. Em verdade, são poucos as partidas das divisões inferiores na Argentina em que a torcida visitante está autorizada a aparecer. Mas para tirar a prova de tal pacifismo, eu deveria estar presente ao clássico local, entre Gimnasia y Tiro e Central Norte, a ocorrer na sexta rodada. De acordo com o hincha informante, o único jogo em que a cancha fica repleta é esse, o encontro entre millonarios y cuervos. Este apelido dá-se pelo uniforme negro usado pelo Central. Quanto aos millonarios, em um passado distante a torcida era composta pela elite salteña, o que visivelmente não mais ocorre. Em uma divisão acima, os antonianos estão sem um derby para jogar.