sábado, 17 de outubro de 2009

O ocaso do Racing Club

A quem guarda La Guardia Imperial?

Em fevereiro do ano corrente, postei a cobertura do jogo entre Racing Club e Argentinos Juniors. O match fugiu um tanto das características que fizeram o blog surgir uma vez que se tratava de um jogo da principal divisão do futebol argentino, entre duas equipes em longínquos dias campeãs da Taça Libertadores da América e com estádio praticamente lotado. O fato de mirar confronto, portanto, não incluía fatores como a invisibilidade dos clubes, a divisão em que os mesmos estavam alocados ou um público diminuto. O fator essencial era a situação de La Academia naquele momento – e que estão expressas no mesmo post. Depois de lá e de uma série de jogos sem vitória, o Racing emendaria bons resultados sob o comando do motivador Caruso Lombardi e escaparia inclusive dos temíveis confrontos da promoción. Ainda que sem nada mais para comemorar que não o simples alívio, parecia que o segundo semestre, com seu Torneo Apertura, seria o início de uma nova era. O ex-presidente Nestor Kirchner inclusive prometeu premiar os atletas e a comissão técnica caso alcançassem uma vaga na Libertadores 2010. Hoje e nesse exato momento, o Racing Club está jogando a nona rodada de campeonato e segue sem vitórias - a série de fracassos inclui mais uma derrota para o Independiente, dentro de seus domínios. O adversário do momento é exatamente o Argentinos Juniors. Assim como naquela noite de sábado, em fevereiro, o Racing estreia um novo técnico, Juan Barbas, e não parece ter como destino o triunfo. O jogo está no intervalo e 2x0 para os locais é o placar. Nem é necessário esperar o final para confirmar a derrota. O caso já não pode nem mais ser tratado como crise. Esta costuma ser passageira, mesmo que por vezes duradoura. Pois a situação do Racing não se altera desde o final da década de 1990. Haja apego para seguir frequentando o velho Cilindro de Avellaneda.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Mudar para permanecer

Uma nova luz sobre a terra de ninguém. Foto: Alessandro Bracht

Hora de mudar, mas sem abandonar a razão de ser do Futebol na terra de ninguém. Afinal, apesar do grande prazer e dos resultados satisfatórios das coberturas futebolísticas presentes nesse blog, a missão demanda um tempo que muitas vezes não disponho. Assistir ao jogo e sacar fotos, escrever o texto, montar as imagens... Tarefa para horas. Prova disso é que durante agosto e setembro, nada foi feito. E blogueiro que se apresenta como tal está sempre lá, deixando novos posts a mercê da opinião pública.
Vá lá que poucos acessam meus escritos, mas também não me dispus a divulgá-los mais intensamente justamente porque a renovação do mesmo andou complicada – misto de falta de tempo com certa dose de preguiça quando tempo havia, aliado ao fato de que alguns disponibilizadores de transmissões via web resolveram que era hora de ganhar dinheiro com o produto de seus furtos e muitos dos jogos escolhidos não puderam ser vistos. Pagar para ladrões encerra com a ética primordial um dia propalada por esses quebradores de sinal, ou seja, do roubar dos ricos para dar aos pobres (mais sobre esse tema em uma próxima postagem).
Assim que, sem deixar de lado a tradicional cobertura de jogos quase invisíveis mundo afora, farei do Futebol na terra de ninguém um espaço para textos que, claro, versarão sobre o futebol, suas estranhezas, tristezas e mazelas, mas sem a obrigatória presença do jogo em si. Pois o futebol vai muito além do que acontece em campo ou nas arquibancadas (sim, elas ainda existem), quem o conhece minimamente sabe disso. E se não chegou ainda ao ponto de identificar mais claramente suas relações com universos paralelos como a política, o capital e as causas particulares, ainda há tempo para aqueles que o desejam. Quem sabe eu não dou uma pequena ajuda?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Montevarchi Calcio Aquila 1902 x ACD Guidonia Montecelio

Da esquerda para a direita: Leto engata a marcha para cobrar a falta; a bola ruma veloz para o alvo; a rede estufada confere maior beleza ao lance; os ultras do Montevarchi preparados para a batalha; Fiorindo, o massagista que queria ser árbitro; Emanuel Opara sob o sol da Toscana. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Montevarchi Calcio Aquila 1902 1x2 ACD Guidonia Montecelio
Data: 11 de outubro de 2009
Competição: Calcio Serie D
Local: Stadio Comunale Gastone Brilli Peri
Público: menos de 1% da população local

O futebol italiano anda meio chato. Pelo menos aquele que nos chega: a Serie A do Calcio. Ainda que a maioria das grandes ligas européias não conte com mais que quatro postulantes ao título de campeão, o que já rouba parte da emoção, apenas na Itália existe candidato único, que é a tal Internazionale. Juventus, Milan e Roma e afins ficam por ali, lutando por vagas na UEFA Champions League e isso já faz uns bons quatro anos que acontece. Portanto, mediante essa perspectiva, o melhor maneira de apreciar o calcio é isolar os eventos do contexto maior. Rivalidades locais viram atração e podem surpreender (quando não é o derby milanista). Os estádios dos tempos do cimento fazem lembrar dias menos capitalistas. As fissuras políticas – caso dos conflitos entre o setor fascista da Lazio e os esquerdistas do pequeno Livorno – remetem aos dias de velha ordem mundial. Paolo Di Canio (o vilão) e Cristiano Lucarelli (o herói que não o quer ser), punidos de formas diferentes por pensarem e levarem a política para dentro de campo. Na verdade, não é o futebol italiano que está chato. O mundo sem ideologias e com assentos marcados está chato! E pensando assim o futebol italiano deixa de ser chato porque reúne elementos para não ser chato, fora o fato de se saber de antemão o futuro dono do scudetto. Felizes dos fanáticos torcedores brasileiros da Internazionale! Ah, como é bom torcer pela equipe de Milão em Teresina ou em Macapá! Viva a desterritorialização do futebol! Viva a globalização!
Chega de acidez, vamos ao futebol. A Serie D do calcio é a principal liga amadora na Itália. Acima dela estão as quatro divisões profissionais: Serie A, Serie B, Serie C1 e Serie C2. Portanto, oficialmente, os atletas dos clubes envolvidos na disputa não deveriam receber para estarem em campo. Ainda que sem provas, creio que, pelo visto na partida entre Montevarchi e Guidonia, não é o que ocorre. Havia claro sintomas de profissionalismo em campo, revelados especialmente pela velocidade dos movimentos e pela habilidade individual de alguns atletas. O gol de Antonio Leto, do Montevarchi, surgiu a partir de uma cobrança de falta primorosa. Um daqueles chutes potentes que passa sobre a barreira e desce velozmente sem dar muita chance de ação para o goleiro, no presente caso, Emanuel Opara, que apesar do fenótipo afro, é italiano de berço. Sem muita precisão, creio que o chute foi desferido há uns 30 metros de distância do gol. O narrador italiano fez o comentário adequado: “um gol de cinemateca!”. Ao fim, apesar da derrota de seu time, Leto mostrou qualidade que, se repetíveis em outras ocasiões, poderiam fazê-lo pensar em algo maior para sua carreira futebolística. O segundo gol do Guidonia também ocorreu graças a uma conclusão de longa distância. Não era cobrança de falta, não havia barreira, mas a bola passou entre diversos corpos e encontrou a rede do guarda-metas Lorenzo Colcelli após percorrer praticamente a mesma distância do chute de Leto. Esse seria o tento da vitória, confirmada ainda no primeiro tempo – o outro gol, primeiro do gioco, foi do defensor Emanuele Razzini. Mas poderia ter sido diferente. Na segunda etapa, Opara fez defesas difíceis, quase cometeu uma falha ridícula que o recolocaria no banco de reservas e ainda contou com outras conclusões erradas dos jogadores da equipe local. Se mãos na cabeça por gols perdidos resultassem em algum benefício, os locais teriam alcançado algo melhor.
No mais, destaque para o massagista Fiorindo Zuconelli, que parece ter sonhado se tornar árbitro, mas não conseguiu. Não que ele tenha ficado a beira do campo querendo apitar, como se diz daquele integrante da comissão técnica que não para de aporrinhar o juiz e principalmente seus assistentes. Suas vestes é que denunciam o fato: camiseta amarela, calção preto e meias pretas esticadas até o joelho. Quando o vi em campo pela primeira vez, atendendo um atleta supostamente lesionado, achei que fosse realmente o homem do apito dando uma assistência face a falta de pessoal especializado na região da Toscana.

Estonija x Bosna i Hercegovina

Da esquerda para a direita: Misimovic faz um esforço sobre-humano em busca do gol; mas a bola fica nas mãos do goleiro Sergei Pareiko; os torcedores da Bósnia pensam na África do Sul; dois momentos de invocação religiosa entre os sinigärgid: Pareiko de joelhos parece rezar pelo fim e Alo Bärengrub é influenciado pelo islamismo bósnio; um tapa nas costa afirma: "calma, camarada, já vai acabar". Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Estonija 0 x 2 Bosna i Hercegovina
Data: 10 de outubro de 2009
Competição: Eliminatórias para a Copa do Mundo 2010
Local: A. Le Coq Arena
Público: De regular para bom

O jogo pode ser mirado pelas mais diversas perspectivas, da mais sorridente a mais perversa. Em se tratando do futebol, então, o sorriso e a perversão parecem estar unidos o tempo inteiro. O confronto entre Estônia e Bósnia e Herzegovina, válido pelas eliminatórias européias para a Copa do Mundo da África do Sul no ano vindouro, abriu possibilidades nesse sentido, mas as extremas, a mais doce e a mais amarga, venceram, em acordo com minha totalitária eleição: a constante vaia dos torcedores estonianos perante a preguiça de seus representantes (amarga, até demais) e a grande chance da Bósnia, um país que ainda estanca e costura o sangramento, estar “lá” em 2010 (doce, mas ainda não plenamente açucarada) merecem minha dedicação.
A partir do que foi visto no Nike-friendly match entre os sinigärgid e o Brasil-preguiça em agosto, parecia que a ex-república da extinta CCCP não era tão futebolisticamente frágil. Um pouco violenta quiçá. Fora isso, algo de promissor parecia estar por lá. Engano. O broxismo brasileiro no amistoso promovido para vender artigos esportivos explica essa impressão errada, pois a seleção estoniana é vergonhosa. E não pelo mau futebol exatamente, mas pela falta de vontade. Mesmo levando em consideração que a Estônia já estava previamente eliminada antes mesmo da partida em questão, entrar em campo de má vontade é inaceitável. Eu abomino a vaia em jogos de futebol. Fiquem em casa os que vaiam, recomendo. O estádio é para torcedores. Mas nesse caso, elas foram justas, procedentes certamente. Para um jovem Estado-nação como a Estônia, emergida da falência do desnacionalizante socialismo real, vencer um jogo ou perder lutando bravamente seria razão para os integrantes do Jalgpallihaigla (Hospital do Futebol) deixarem o estádio e beberem inúmeras cervejas orgulhosamente. Vontade e garra, e quando possível vitórias, são o que os torcedores mais desejam. Se elas não existem, pouco sobra. Mas eles não puderam fazer isso. Beber talvez sim, mas sem orgulho, o que encaminha a frustração, a dor de cabeça sem alegria, a ressaca moral de quem se emborracha, mas não para celebrar.
A Bósnia e Herzegovina, contudo, abriu sorrisos. De orgulho e esperança. Graças ao 0x2, a terra dos muçulmanos no Bálcãs irá disputar uma vaga na repescagem européia (o primeiro lugar do grupo E ficou com a eterna candidata ao título, a Espanha). O adversário, ainda desconhecido, que me perdoe. Mas eu quero a Bósnia na Copa do Mundo. Assim como adorei ver a Croácia e a Eslovênia em outras edições.Toda e qualquer alegria que emane da extinta Iugoslávia merece o valor de uma paixão correspondida ou do sorriso do Marechal Tito (a Sérvia - ainda unida a Montenegro - promoveu um dos mais tristes espetáculos da última Copa. Não mereciam 2010, mas já estão lá).
Falta o jogo em si mesmo. Assim como não falta muito para falar dele. A má vontade estoniana gerou lentidão e passes para os lados quando da posse de bola e marcação sonolenta quando o objeto estava nos pés do adversário. Aos bósnios, aproveitar a fraqueza do oponente, marcar um gol em cada tempo e, depois disso, imitá-lo. Os tentos foram quase assim. Alguém com sobrenome finalizado em ‘ic’ (itch) passou para outro jogador com sobrenome finalizado em ‘ic’ (itch) que cruzou para outro ‘ic’(itch). Gol da Bósnia-Herzegovina. Como eu disse, quase assim. Pois o primeiro gol foi do único não-ic (não-itch) da seleção bósnia: Edin Dzeko, aos 30 minutos. O segundo foi. Vedad Ibisevic garantiu a vitória numa tradicional linha de passes entre ‘itches’ que o deixou na frente do goleiro Sergei Pareiko, por volta dos 65’. Agora resta esperar pelos jogos decisivos de ida e volta. Não entendeu ainda porque a dedicação a causa futebolística da Bósnia? Então leia as HQs ‘Área de Segurança: Gorazde’ e ‘Uma história de Sarajevo’, ambas de Joe Sacco. Ah, não gosta de ler? Também não sabe o que é HQ? Então [piiiiiii], alienado de [piiiiii]! Vá torcer feito boneca de plástico e participar das comunidades do Orkut do Chelsea, do Manchester United ou do Real Madrid! Esse é seu papel. Bundão!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

E.C. São José x E.C. Pelotas

Da esquerda para a direita: o velho pavilhão do Passo da Areia reúne a banda Os Farrapos; fuga para a vitória; mais um cruzamento para a área e mais uma chance desperdiçada pelo esquadrão de suplentes; a Força Jovem chega com o jogo em andamento; o torcedor do Pelotas hiberna na embriaguez; Lobo bom não se mistura. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: E.C. São José 2 x 0 E.C. Pelotas
Data: 11 de julho de 2009
Competição: Campeonato Brasileiro Série D
Local: Estádio do Passo d'Areia
Público: meia dúzia de gatos (ou lobos) pingados

Porto Alegre, capital do Rio Grande Sul conta com três clubes jogando o Campeonato Brasileiro de 2009. “Três?”, perguntariam os desavisados em maioria. Sim, pois o E.C. São José, a.k.a Zequinha, disputa a quarta divisão do futebol brasileiro e na tarde fria e de sol tímido de sábado, faria seu primeiro jogo em casa após estrear com vitória ante o Brusque, esquadrão do estado vizinho de Santa Catarina. O adversário foi o E.C. Pelotas, tradicional equipe do interior do estado, que hoje luta para voltar a elite (forte essa!) do futebol sul-riograndense. Essa mesma luta, que se encontra em andamento, forçou o E.C.P a deixar seus principais jogadores fora da partida, todos poupados para algo maior, mas ainda assim trouxe seus mais empertigados torcedores para apoiar a equipe em missão que, terminado o match, se mostraria impossível. O estado de coisas dos dois clubes é diferente. O Zequinha, time quase centenário e praticamente sem torcida, vive um período de relativo conforto financeiro graças aos investimentos do empresário Francisco Noveletto, também presidente da Federação Gaúcha de Futebol. Desde que ele assumiu o clube, o estádio passou por uma ampliação, com a nova arquibancada servindo de cobertura para salas comerciais desocupadas na parte externa, jogadores veteranos e promessas não cumpridas que um dia pertenceram a grande clubes chegam (e se vão sem muito barulho). Seu jogador mais conhecido é o arqueiro Rafael, de carreira longeva pelos pequenos do RS. Assim também não há grandes dificuldades em permanecer na divisão principal do futebol gaúcho, o que lhe oportuniza ter alguma visibilidade por ocasião de enfrentamentos com o Grêmio FBPA e o Sport Club. Já o Pelotas, fora do Gauchão Série A desde sei lá quando, empobrece a cada ano que passa, ainda que possa contar com uma torcida fiel, típica da irredutibilidade pelotense (o outro clube da cidade, o Brasil, rebaixado na último gauchão por força da tragédia rodoviária que se abateu sobre o clube, não apenas repete, mas amplia a essa tradição). Com parcos recursos, a esperança é estar de volta a premiership gauchesca em 2010 e assistir ao tradicional adversário chafurdar na mesma areia movediça que há tempos sufoca o Lobo. Sobre o jogo, a pouca torcida, o frio para valer e o visitante com suplentes seriam indicativos de um embate ruim. Mas o futebol voltou a demarcar uma de suas especialidades, ou seja, romper a lógica e assim o que ocorreu em campo foi muito bom. Que não se fale em qualidades técnicas dos atletas, mas se as chances de gol foram sendo empilhadas, especialmente pelo Pelotas – em uma destas o goleiro Rafael fez monumental defesa – e o Zequinha encontrou seus dois gols em conclusões bem feitas de Rodrigo (cabeçada depois de cobrança de escanteio, aos 34 minutos) e Pedro (chute forte da entrada da área depois do passe errado de um defensor do Pelotas na saída de bola), que não se fale em ruindade pois o futebol para ser bom tem de ser emocionante. Aos seus fãs é o que basta, a despeito da corneta crônica da imprensa quando o futebol se afasta da arte e o tal beautiful game (já volto: fui vomitar) não seja tão belo assim, se a questão é eminentemente estética. E a referida “pouca torcida” também foi visível. Seus personagens identificáveis. Ninguém entre os presentes precisou fazer algo especial, como ser o mais idiota, para se destacar na multidão. Entre os locais, suas duas pequenas bandas criaram barulho: nas arquibancadas, os Farrapos fizeram eco ao jeito platino de apoiar que se disseminou em Porto Alegre a partir do surgimento da incansável Alma Castelhana. Na social, os Guaiepecas incomodavam a arbitragem com ameaças que, óbvio, não saíram da verborragia agressiva, mas tornaram-se chatas com o passar dos minutos. Entre os visitantes, a maioria da Força Jovem, certos personagens invocaram as lendas do futebol interiorano. O embriagado que dormiu o jogo inteiro, o decano que gritou dezenas de vezes “filho da puuuuuuta” e o perseguidor do bandeirinha, que correu a beira do alambrado durante todo o primeiro tempo cobrando competência da arbitragem. Isso e mais os cânticos imparáveis, ritmados por uma percussão que por vezes se perdia na alcoolização. Em tempos de patética europeização, de projetos que não passam pelo desejo do torcedor, de uniformes que parecem criados por um estilista bichona que odeia o esporte, assistir a um jogo assim foi uma dose de verdade na mentira que se transformou o futebol brasileiro.

domingo, 7 de junho de 2009

MFK Ruzomberok x SK Slovan Bratislava

Da esquerda para a direita: bico na bola e mais um gol de Milos Lacný; fãs do Ruzomberok comemoram um dos tantos gols; abraços para o artilheiro acidental; o princípio da idiotia: torcedores do Slovan ateiam fogo nos assentos; a exacerbação da idiotia: a fracassada tentiva de invasão ao campo; na chance desperdiçada, a bola bate no travessão e se oferece ao incompetente. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: MFK Ruzomberok 5x1 SK Slovan Bratislava
Data: 30 de maio de 2009
Competição: Corgon Liga
Local: MFK Ruzomberok Stadium
Público: 3450

O campeonato da primeira divisão da Eslováquia está decidido em todos seus aspectos. Campeão e rebaixados já definidos, a disputa de vagas nas fases de grupos das copas européias também. Portanto, Ruzembrock e SK Slovan Bratislava não tinham muito a oferecer nesse primaveril final de temporada. Afinal, que emoções tal encontro futebolístico poderia proporcionar? No máximo, o time da casa – quinto colocado – assumiria o dever de derrubar os campeões em seu domínio enquanto ao Slovan caberia não mais que reforçar as razões que justificam seu tranquilo triunfo, se analisado pela diferença de pontos em relação ao segundo colocado até essa rodada, o MSK Zilina. Entretanto, para um jogo dessa dimensão, tudo que ocorreu soou exagerado. A vitória de 5x1 dos locais, os três gols de Milos Lacný, as faltas violentas, o dia de azar do Slovan, a má conduta dos torcedores visitantes... nada disso era necessário ou, se pensado antes, viável.
Não que o Ruzomberok estivesse proibido de marcar cinco vezes ou Lacný fazer 60% dos gols. Mas de todos os tentos, quatro foram em contra-ataques. E teriam sido cinco caso um pênalti, conquistado após o Slovan acertar a trave e sofrer outro contra-ataque, tivesse sido aproveitado. Já do hat-trick de Lacný no primeiro tempo, nenhum tinha o goleiro pela frente: foram em rebotes ou passes-presente para ele ficar com uma glória minimamente digna.
As faltas violentas, por sua vez, vieram na esteira da goleada, quando alguns jogadores visitantes partiram para a deslealdade sobre adversários que não faziam nada mais que jogar. Em momento algum houve o desrespeito materializado em toques improdutivos, embaixadas inúteis, reboladinhas em frente aos derrotados e todas aquelas palhaçadas que alguns brasileiros eu-me-acho-craque-só-porque-sou-boleiro-carioca gostam de fazer – não estranhe então que um dos caçadores mais empertigados fosse o brasileiro Diogo Pires, merecedor do cartão amarelo recebido. Curiosamente, a única expulsão recaiu sobre um atleta da casa, Stefan Zosak. O cartão vermelho, contudo, resultou de sua chatice e não de alguma desmesura faltosa. De tanto reclamar do árbitro, o metido a meio-campista talentoso e temperamental deixou o jogo quando faltavam pouco mais de 20 minutos para o fim do match. Mas há que se admitir que ele marcou o quinto e mais belo gol do Ruzomberok, tocando por sobre o goleiro Dominik Rodinger, já cansado de tanto fazer cara de desilusão.
Sobre a desventura do Slovan, além do lance que resultou em pênalti acima citado, cabe a descrição de outro movimento intenso. Quando o placar já assinalava 4x1, Kozák invadiu a área aos dribles e trancos e cruzou da linha de fundo, Pavol Masarik chutou para difícil defesa do goleiro Pavol Penksa, no rebote o zagueiro Peter Majerník cabeceou para trás, atingindo o próprio travessão. A bola voltaria nos pés de Matej Iztovolt que meio-furou em bola. O chute flatulento permitiu a mansa chegada do esférico às mãos do keeper. O toque final foi sinal de incompetência, mas em meio ao contexto pareceu puro infortúnio. Questão de perspectiva (ou identidade de quem é torcedor e confere ao azar o gol perdido pelo seu time).
A jornada inusitada teve ainda o protagonismo dos ultras de Bratislava. Pois após o quinto gol, não houve como resistir. A besta humana despertou e virou atração principal. Não houve violência entre torcedores adversários, mas chamas nos assentos destinados aos visitantes, sinalizadores arremessados ao campo e ameaças de invasão. O mais curioso a respeito tais atos, é que nada foi feito para conter a baderna. O público ao redor assistia impassível, a segurança olhava à distância, os principais agentes do hooliganism deixaram o estádio antes do final do jogo mirando sua obra destrutiva ao longe e rindo. Afinal, a besta humana também é covarde. Admito que não houve consequência grave, apenas fumaça e desfaçatez. Foi o olhar de normalidade de todos os presentes que, ao fim de tudo, deixou este que voz escreve um tanto atônito. A face dos torcedores parecia dizer que aquilo era rotineiro, inevitável e, de tanta repetição, chato. Estariam os eslovacos com saudade da Tcheca?

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Gaz Metan Medias x Gloria Bistrita

Da esquerda para a direita: Torcida organizada da encosta evita a avalanche; o brasileiro Edson Grillo celebra seu gol; a falta jamais vista; seria uma briga? Sim, mas com a bola; a defesa de Calin Albut que antecede o terceiro gol; Ah, se fosse a Bulgária na Copa de 1994! Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Gaz Metan Medias 3x1 Gloria Bistrita
Data: 23 de maio de 2009
Competição: Rumania Liga 1 Frutti Fresh
Local: Municipal Gaz Metan Medias
Público: quase ninguém mais quatro na bela encosta que circunda o estádio

Estou bem distante de admirar algumas chavonices da crônica esportiva profissional, das quais aqui merece referência aquela que faz de um lance específico o retrato de um jogo; algo como, diria o comentarista, “... mas a jogada que simbolizou a partida” e aí descreveria a qualidade superior ou inferior da mesma como se tal definisse o quão bom ou ruim foi o match. Mas, perante um jogo entre equipes que ao final da temporada 2008/2009 não aspiram absolutamente nada – Gaz Metan Medias é o décimo quinto enquanto o Gloria Bistrita está duas posições acima entre 18 clubes – é de se considerar o relato de um lance específico: por volta dos trinta minutos do primeiro tempo, com o jogo em 2x0 para o scratch da casa, Sandu Negrean fez uma falta merecedora de cartão amarelo no jogador português João Silva. Não seria nada atípico, mesmo em um jogo de faltas inconstantes. O dado aterrador é que Negrean e Silva jogam no Bistrita. Como tal sucedeu? Pelo meu testemunho semi-ocular, a bola chegava tranquilamente ao lusoatleta depois de passe errado de um qualquer do Medias mas antes de tocar no esférico (aproveitando da presença portuguesa) ele foi atingido pela carrinhada fogo amigo. A jogada só não fica de todo incomum em função do nome de um dos envolvidos, o qual não preciso repetir.
Mais sobre o jogo? Tirando proveito do nome que leva este blog, o jogo teve algo realmente de terra de ninguém. Não pelo interesse quase inexistente na partida, revelado pelo público diminuto e silencioso ou porque a Romênia ainda sofre com a pobreza pós-socialista também no futebol, mas em função da total invisibilidade do Bistrita no primeiro tempo. Parecia que não havia ninguém para enfrentar o Medias, o que resultou em fácil vitória, revelada através de dois gols em menos de 15 minutos, ambos de cabeça perante o que deveriam ser zagueiros estáticos. O goleiro Calin Albut até apareceu, movendo-se solitário, como se estivesse naqueles treinamentos cruéis de conclusão, atirando-se epicamente em ambos os tentos. No primeiro, marcado pelo centroavante gigante com cara de bebê chorão Cristian Bud a partir de um cruzamento na segunda trave, ele caiu dentro da própria meta, enredando-se. Quando sete minutos depois o brasileiro Edson Grillo repetiu o feito após assistência vinda da esquerda, Albut não reduziu o grau de esforço. A partir daí – minuto 12 – até o final da metade inicial, muitos passes errados, lançamentos nas mãos do goleiro do Medias – o repositor Cosmin Vatca – e aquela falta.
Mais dispostos, talvez lembrados pelo treinador Cristian Pustai que se a vontade não reaparecesse talvez nem os torcedores da encosta voltariam para a última rodada, os jogadores do Medias resolver dar um gás a mais (infame essa, mas vou manter!) na segunda etapa e entre cruzamentos de destino incerto e duas chances de gol para valer, chegaram ao terceiro. Após avanço rápido pela meia-direita de Grillo, o passe chega Ovidiu Hoban já dentro da área. Ele chuta forte, Albut faz a defesa para lá de complicada, mas a bola chega ao babyavante Bud, que chuta feliz para o gol. Do placar de 3x0 aos 28 minutos para a acomodação foi apenas o tempo de gritar “óbvio!”. Dessa modorra aproveitou-se o Bistrita que com leves golpes, sem muito ruído, fez seu gol. Também foi de cabeça, também perante uma defesa-fantasma e também com algum esforço do guarda-redes. O gol foi de Marius Ciuca, zagueiro (conhecem o Marius?), perto dos 44 minutos. Nos descontos os visitantes quase chegariam ao segundo, o que deixaria a impressão de um jogo carregado de emoções. Não foi.
Mas vale a complacência com estes abnegados – sejam jogadores ou torcedores, pois depois da esperançosa geração livre de Nicolau Ceausescu liderada por Gheorghe Hagi, de destacada figura na inesquecivelmente ruim Copa do Mundo de 1994, além dos médios para bons Adrian Mutu e Cristian Chivu, pouca coisa aconteceu. A última notícia de relevo foi a participação do CFR Cluj na Liga dos Campeões 2008/2009, graças ao título da Liga 1 conquistado debaixo de polêmica. As razões: originalmente o Cluj é húngaro, pois foi fundado em 1907, quando a Transilvânia ainda não havia sido anexada à Romênia. Assim, sua base torcedora é de ascendência magiar, o que reascende a tensão étnica, fortemente reforçada pelo prefeito ultranacionalista a serviço da causa romena. O dinheiro que permitiu ao Cluj deixar os tradicionais Dínamo e Esteua de Bucareste para trás vem de um suspeito proprietário chamado Árpád Pászkany, também etnicamente magiar, que recheou o time de portugueses. Estes, claro, fizeram a diferença. A partir daí, porém, o problema fica por conta da permanência das injeções fartas de capital. Pois se, porventura, Pászkány resolver investir em outra paragem ou desperdiçar o dinheiro até quebrar, como muito acontece, o CFR Cluj terá dificuldades em rever a luz do sol. Os torcedores, depois da euforia, irão saber se a glória compensa a posterior queda livre. Nesse momento, faltando duas rodadas para o final do campeonato, o Cluj está apenas em quarto lugar e sem chances de chegar novamente ao primeiro posto.

domingo, 12 de abril de 2009

Derry City x Sligo Rovers

Da direita para a esquerda: O entardecer de Derry; Boco, o capitão de Benin sorri após seu gol para o Sligo; a bola encontra a rede no empate do Derry City; "Está frio e eu quero uma cabine de imprensa"; Cretaro parte para a glória; fãs do Sligo Rovers celebram a vitória inesperada. Fotos: Alessandro Bracht (com colaboração de "a mãozinha")


Jogo: Derry City 1 x 2 Sligo Rovers
Data: 10 de abril de 2009
Competição: FAI Premier Division
Local: The Brandywell
Público: meia-boca, em um estádio para 7.700 pessoas

Apreciar uma partida do futebol irlandês, mas especificamente da Republica da Irlanda (Ulster) – a porção norte e católica, de antigas inspirações separatistas é uma tarefa para fãs de futebol for real. As razões para tanto são aquelas que se repetem em outros tantos terceiros mundos futebolísticos. Mas estar em Derry ou torcer pelo time local pode representar bem mais que apenas adorar o futebol. Pois Derry – ou Londonderry ou ainda Doire Cholm Cille, caso você prefira falar em Irlandês – é uma cidade com pouco menos de 90 mil habitantes marcada por um fato doloroso na luta pelo direito de independência da Irlanda do Norte: o Domingo Sangrento (sim, aquele mesmo de Sunday Bloody Sunday, sucesso do ‘Udois’ nos primórdios da década de 1980), ocorrido em 30 de janeiro de 1972, quando 27 pessoas foram atingidas por tiros disparados por um batalhão do exército britânico “especialmente treinado para tais casos” durante uma passeata da Northern Ireland Civil Rights Association. 14 teriam morrido automaticamente. As demais viriam a falecer em função de complicações atreladas aos ferimentos sofridos naquele dia (recomendo que você saiba mais sobre o caso, ainda em aberto).
Sobre ser fã de futebol em Ulster, e assim falar do futebol em si mesmo, merece o olhar de quem aguarda pela emoção. Nada de arte (e quem precisa de tal frescura senão os adoradores da intragável seleção brasileira?). Pois até o 39 minutos do primeiro tempo, as ações no ataque eram esparsas e incapazes de oferecer grandes emoções. Em suma, uma chance viva para cada equipe. Por volta dos 20 minutos, o Sligo Rovers, vestindo seu kit reserva negro, teve a sua. Após um inspirado e individual avanço pela ponta esquerda, já de dentro da área, a bola é recuada para Romuald Boco, crack do scratch e também capitão da seleção de Benin. Ele chutou rasteiro, forte, mas o goleiro Gerard Doherty fez uma defesa digna de “as melhores da semana”. Para o Derry, um daqueles tradicionais cruzamentos britânicos, altos e diretos do bico da área, transformou-se em cabeçada no travessão. Entre os dois lances, o City reclamou de um pênalti em Sammy Morow, um lance tosco do defensor Danny Ventre, aquele em que tentar afastar a bola significa chutar a própria, o jogador e a grama ao mesmo tempo. Mas então chegam os 39 minutos. Gol dos Rovers. Um minuto depois, o empate do Derry. Uma rede ainda sacudia quando a outra também sacudiu. Emoções intensas que, em minha modesta visão futebolística, surgem como devida resposta. Até porque os gols não foram quaisquer coisas. No primeiro, Owen Morrison (ex-jogador do Derry City) lançou Boco pela meia-esquerda. O beninense avançou velozmente e chutou em diagonal. A saída arrojada de Doherty resultou apenas em sua aparição na foto - aqui, talvez, resida a resposta para a questão 5. O gol da igualdade partiu de um cruzamento de Sammy Morow em direção ao segundo poste. Gareth McGlynn, atrás da zaga e livre para chutar, acertou a bola num voleio para sua própria história. Os bons ventos dos tentos imediatos empurraram o segundo tempo rumo a uma quantidade maior de emoções. No seu princípio, McGlynn foi impedido de marcar por Brush, goleiro dos Rovers. Aos 19 minutos, Rafael Cretaro, o menor jogador em campo, quase marcou de cabeça e dois minutos depois Brush viraria seu duelo pessoal com McGlynn. Loucos pela vitória e consequente liderança segura, os Candystripes reclamaram mais dois pênaltis, ambos resultantes de toques involuntários com a mão dos inabilidosos defensores do Sligo Rovers, para lá de satisfeitos com o empate. Entretanto, aos 44 minutos, o grau de satisfação aumentou graças a falha final da partida. Ao tentar um simples passe lateral na linha de meio de campo, o defensor Delaney entregou a bola aos pés do pequeno Cretaro. Seu rápido avanço resultou no segundo e derradeiro gol. A dezena de torcedores visitantes comemorou, ainda que as camisas listradas em branco e vermelho tenham gerado uma confusão inicial pois à distância idênticas a dos locais. Nos quatro minutos de acréscimo as muitas bolas altas na área dos Rovers, portanto, premiaram a defesa. Final de jogo e muita celebração dos vitoriosos. Seria a principal razão a vitória em si, a quebra de um tabu de 10 anos sem vencer na casa do City ou o afastamento tênue da zona de playoffs para o rebaixamento? Essa é uma pergunta que fica sem resposta definitiva. Mas, perante o próprio futebol, que diferença faz?

sábado, 21 de março de 2009

Górnik Zabrze x Lech Poznan

Da direita para a esquerda: Como se chama uma torcida no leste europeu? TORCIDA!; lado a lado, bandeiras do Górnik e do Lech; os "perigosos" torcedores poloneses; Marciniak tem tempo de assistir seu próprio gol; o princípio de uma comemoração inesperada; a queda após queda: o empate no último instante mantém o Górnik em último lugar. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Górnik Zabrze 1 x 1 Lech Poznan
Data: 14 de março de 2009
Competição: Ekstraklasa
Local: Stadim Ernesta Pohla (estádio Ernest Pohl)
Público: algo como 15 mil torcedores

Foi um grande jogo. Inesperado, claro. Em se tratando de um futebol praticamente invisível, o confronto entre o primeiro contra o último colocado do campeonato polonês da primeira divisão – Ekstraklasa é seu nome – deixou a impressão de que algo diferente está acontecendo no frio do leste europeu. Diferente não apenas pela beleza do futebol apresentado, mas porque ao longo dos últimos anos a Polônia foi um dos tantos países do finado socialismo real que viram seus estádios transformados em palcos de hooliganism, nazirracismo e corrupção. As brigas entre torcedores rivais tornaram-se rotina e sintoma do descontrole legal provocado pelo fim da repressão política. As imagens do jogador nigeriano naturalizado Emanuel Olisadele sendo alvo de bananas arremessadas por ultradireitistas durante partidas em estádios acanhados reproduziram orgulhosamente o comportamento dos hooligans britânicos na metade dos anos 1980. Além de toda essa violência física e simbólica, ao final da temporada 2006/2007, sete clubes da primeira e segunda divisões foram punidos com o rebaixamento e/ou perda de pontos por envolvimento em um escândalo de corrupção – o Lech Poznan, apesar de citado, não teve as provas necessárias reunidas para ser incluído entre os acusados. Enfim, no empobrecido leste pós-socialista, apenas o de sempre: a máfia das apostas controlando resultados. Dito isso, estádio lotado, sendo este a casa do lanterna, não surgia como uma possibilidade real. Mas aconteceu e não poderia ser mais justo. Teria o futebol vencido mais uma vez? Um único jogo não pode responder. A ele então!
Após o minuto de silêncio em tributo a um ídolo do Górnik recém falecido – o qual, por mais que tenha me esforçado, não consegui descobrir o nome –, o que seu viu foi um match frenético tanto no campo como nas arquibancadas. Nos primeiro cinco minutos, os Górnik e Lech dividiram quatro chances dignas de gol. Ainda nos 40 e poucos minutos seguintes elas tenham se tornado mais esparsas, os goleiros Sebastian Novak e Krzysztof Kotorowski foram as figuras mais destacadas – ao lado dos atacantes, mas estes por sua ineficiência em meio a defesas que marcavam caridosamente. Assim foram-se os primeiros 45 minutos e seus acréscimos.
Em um segundo tempo ainda melhor, a torcida da casa encheu o estádio de som e fúria quando Adam Marciniak chutou de uma distância incalculável uma bola que curva que encerrou sua trajetória na rede do Lech. A partir daí ocorreu o óbvio: o Górnik encerrado em sua defesa, não atacando mesmo quando podia, e o time visitante contabilizando muitas chances e fazendo do goleiro Novak um ídolo momentâneo. E foi assim até os descontos. Mas não até o final porque o último cruzamento para a área dos acuados, rasteiro, em meio a diversos jogadores transformou-se no autogol de Pavel Strak e, consequentemente, no empate do Lech. Atrás dele estavam dois atacantes loucos para receber a fama. Strak não deixou. Quando a saída de bola era dada, ele ainda bateu palmas e emendou um “vamos lá” polaco. Mas quem acreditaria que no minuto final de descontos as palavras motivadoras do agente principal de mais um fracasso teriam algum efeito? Enfim, é disso que se fazem líderes e lanternas.
Ao último apito, os atletas do Górnik dividiram-se entre aqueles que desabaram no gramado e outros que não podiam mais que sacudir negativamente suas cabeças perante um estádio quase todo em silêncio. Se a decepção pode oferecer belas imagens, a esperança também: o colombiano Manuel Arboleda, afrodescendente e jogador do Lech, foi cercado por crianças em busca de um autógrafo. Eu lhes garanto: isso não é pouco.

domingo, 8 de março de 2009

Racing Club x Argentinos Juniors

Da direita para a esquerda: La Guardia Imperial a espera de dias melhores; Lucero mergulha para marcar o gol do Racing; comemoração que pareceria poder se estender até o apito final; a saída desastrada de Campagnuolo permite o empate do Argentinos Juniors; Apesar de parcer crueldade, jogadores do Argentinos celebram o empate; Caruso cerra os olhos para não enxergar a tristeza.


Jogo: Racing Club 1 x 1 Argentinos Juniors
Data: 28 de fevereiro de 2009
Competição: Torneo A Clausura 2009
Local: Estadio Juan Domingo Perón
Público: não divulgado, mas tinha bastante gente

Apoiar um clube de futebol não é exatamente uma escolha. Se com você ocorreu de estar ao lado do time que escolheu, você surgiu como um torcedor de ocasião. Seleção racional pelo mais forte que, em se tratando dos rumos do futebol no presente, pode deixar você pelo caminho. Afinal, o investidor russo ou saudita pode simplesmente abandonar a causa para adquirir um time de futebol americano e aí seu clube pode ser rebaixado e seus jogos não mais irão ser transmitidos pela televisão. Mas se esse for seu caso, basta escolher outro. Fácil assim.
Quando Grêmio e Palmeiras viveram seus dias de glória nos anos 1990 (e de ódio mútuo!), suas torcidas incharam com os ocasionais. Quando, por razões diferentes e formas similares, foram rebaixados, os ocasionais desapareceram e foram fazer outra coisa. Melhor assim!
Se apoiar um clube fosse fácil assim, eu poderia aconselhá-los. Jamais torçam para qualquer time chamado Racing. As razões se multiplicam em função da existência de pelos menos três clubes profissionais como o mesmo nome. Mas basta lembrar um, o mais célebre, Racing Club de Avellaneda, que definha há anos. Enorme em torcida e em passado – maior campeão argentino da era amadora, campeão da Libertadores da América em 1967, primeiro campeão mundial interclubes no mesmo ano – o Racing Club esteve perto de decretar falência e fechar as portas em 1999. No Apertura do ano seguinte viria o primeiro título da era profissional depois de algo como 33 anos, uma espécie de milagre em meio ao caos. Mas foi só. Um bom bonairense, que pouco se liga em futebol, relatou-me que a celebração dos hinchas do Racing naquela ocasião foi a única vez que o futebol lhe emocionou verdadeiramene. Lamento por ele, mas a comoção de um não-fã é reveladora da dimensão do fato.
Depois disso, a tragédia voltou a rondar o Cilindro de Avellaneda. Ao final do Clausura de 2008, o Racing Club quase foi rebaixado. Humilhação maior em um país que conta com o mecanismo protecionanista dos promedios para evitar a queda dos grandes. Em dois jogos contra o Club Atletico Belgrano de Córdoba, o Racing escapou de rumar para a Primera B, da qual é muito difícil sair. A segunda divisão da argentina não é para os fracos e também não é como no Brasil, onde os grandes sempre sobem, mesmo que seja de forma inacreditável, com sete jogadores em campo.
Ah, o jogo. Não há muito o que dizer do esperado. O Racing jogou intensamente na estréia de seu novo técnico, Ricardo Caruso Lombardi, atacou el partido inteiro, marcou um lindo gol no princípio do segundo tempo (Eis a descrição do Diário Olé: “Fue una jugada digna de un equipo con sólidos fundamentos ofensivos. Mercado pasó al ataque, ensayó la pared con Sosa, el volante derecho, cambió el sentido del juego con otra pared, esta vez con González, y culminó su faena con el preciso centro (nada de cerrar los ojos y pegarle al arco) para el cabezazo de Lucero”) e aos 92 minutos sofreu o empate do frágil Argentino Juniors numa saída mais que cagada do goleiro Gustavo Campagnuolo, um dos heróis de 2001, após a cobrança de uma falta que não existiu. Campagnuolo é o goleiro que todos adoram, mas ninguém quer ter em seu clube. Então será que algo melhor poderia ser esperado? Creio que não. Pois quando o primeiro tempo estava muito próximo do final, um comentarista da televisão argentina afirmou algo como “Não sei se o Racing merece um gol, mas Luguercio sim”. Luguercio é um jogador que deixou a reserva absoluta do Estudiantes de La Plata para ser titular e símbolo de dedicação no Racing Club. O tipo que transpira muito mais que produz. Ele esteve presente em todas as chances do gol do Racing, menos naquela que virou gol. Definitivamente, não se trata de mera coincidência.

P.S.: Se porventura houver algum leitor e este considerar que um jogo do campeonato argentino da primeira divisão entre duas equipes tradicionais não pode ser considerado futebol na terra de ninguém, consulte a primeira postagem do blog.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Oxford United FC x Torquay United FC

Da esquerda para direita: torcedores do Oxford em agonia; Chris Wilder, técnico do Oxford, não esconde seu desespero; A minoria ruidosa do Torquay United celebra a inesperada vitória; O primeiro gol de Elliot Benyon prestes a acontecer; Benyon marca o segundo gol do Torquay; Prêmio aos vitoriosos: uma entrevista com a reporter loireca da Setanta. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Oxford United FC 0 x 2 Torquay United FC
Data: 28 de fevereiro de 2009
Competição: Blue Square Premier (Conference)
Local: Kassam Stadium
Público: 5837

Blue Square Premier. Nome inspirador para um campeonato de futebol que ocorre nas fronteiras do país que hoje abriga o mais celebrado/celebrizado campeonato do mundo: a Inglaterra. Mas não confunda. A primeira divisão da ilha é a Barclays Premier League. Àquela da qual fala esse match report é tão somente a quinta divisão (uma das divisões non-league) do território que detém as maiores torcidas de plástico do momento. Entretanto, na Blue Square circulam equipes que um dia desfrutaram de posições bem mais nobres. O Oxford United, equipe da casa nessa partida, há aproximadamente 20 anos vencera uma Copa da Liga e estava na primeira divisão, mesmo que esta não fosse nem de longe o que é hoje. Eram os tempos dos longos lançamentos em direção à área adversária, dos campos barrentos, das arquibancadas duras, da cerveja nos pubs das redondezas e de liberdade para os hooligans. “Good times, heavy times” (?).
Se podem ser consideradas vantagens, os clubes excluídos das ligas não estão obrigados a ter estádios cobertos de assentos, os pubs em um raio de sei lá quantas dezenas de quilômetros não precisaram ser fechados e os ingressos são baratos. O Oxford Utd, sustentado por um insustentável passado glorioso, contraria em parte essa lógica. Seu novo palco, inaugurado em 2001, o Kassam Stadium, é distante do centro da cidade – segundo o jornalista Josh Widdicombe, da revista britânica When Saturday Comes, chegar lá em transporte coletivo é missão quase impossível –, dos pubs e, além disso, seus três pavilhões são todos cobertos por assentos, 12500 mais precisamente. A liberdade oferecida não é aproveitada e essa proximidade artificial com as ligas de nada adianta. O público presente é cada vez mais escasso na medida em que o time permanece, pela terceira temporada consecutiva, na quinta divisão.
Mas, além disso, existe o futebol em si mesmo. E o jogo entre Oxford e Torquay foi muito interessante, especialmente em relação aquilo que se pode esperar de um embate entre times de quinta divisão. Contrariando a sabedoria de Dunga, anão em conhecimento sobre o futebol atual, que afirmou existirem apenas quatro clubes – aqueles que você conhece da televisão – que jogam com a bola no gramado, cabendo aos demais o destalento do futebol de longas bolas áreas (aquele lá, anteriormente citado, que perdurou até o final dos anos 1980), a partida é marcada por uma boa quantidade de passes rasteiros e precisos e, claro, um número grande de equívocos que, se cometidos por um atleta de final de semana, geram críticas ferozes. Mas para quem assiste sem envolvimento emocional profundo, tais ações podem arrancar boas risadas e conferir graça à partida.
O primeiro tempo foi razoável em emoções. O Oxford pressionou nos vinte minutos iniciais, mas a expulsão de Craig Nelthorpe aos 31 minutos arrefeceu o ímpeto da equipe local sem despertar algum impulso maior entre os visitantes. O cartão vermelho soou exagerado para a torcida local. Comentaristas brasileiros diriam que a expulsão foi justa. Os ingleses diriam que isso é coisa de boiola. Estou com eles!
No segundo tempo o jogo ficou trancado no meio de campo, com muitas faltas e passes equivocados, especialmente por parte da reduzida esquadra do Oxford United. O Torquay parecia estar satisfeito e não havia nenhuma promessa de que algo poderia mudar. Mas eis que o imponderável aconteceu. O Torquay se viu com dez jogadores a partir da estranha expulsão de Roscoe D’Sane aos 59 minutos, acusado de agredir Luke Foster quando ambos estavam deitados e após uma perigosa carrinhada do último. “Agora vai” foi o pensamento revelado pela excitação que tomou conta dos pouco menos de 5837 apoiadores do Oxford (desconte uns 100 torcedores visitantes), o maior público da temporada. E foi. Para o buraco. Bastaram mais 10 minutos de jogo para que Elliot Benyon marcasse duas vezes para o Torquay. O primeiro, aos 65 minutos, de cabeça, na pequena área, após dois rebotes, um da trave e outro de uma magnífica defesa do goleiro Bill Turley (daquelas que, não fosse o gol, estaria na lista de melhores do final de semana), e o segundo em um lançamento horroroso do mesmo Turley nos pés do talentoso (pelo menos nessa tarde/noite) Benyon, que avançou e chutou no canto esquerdo. A partir daí o Oxford tentou uma pressão, mas as conclusões de média e longa distância, além dos cruzamentos da intermediária, não trouxeram maiores dificuldades ao arqueiro do Torquay. Ao final, abraços entre os vencedores e aplausos para os poucos visitantes nas poltronas do estádio Kassam, além de um quinto lugar que os coloca na zona de playoffs. Sem pubs no entorno do estádio, os torcedores do Oxford demorarão para esquecer o nono lugar e os seis pontos que o afastam da disputa por um lugar na chamada League Two. Verdadeira maldição para aqueles que, mesmo sem reparar, amam o futebol justamente porque ele é uma fonte de esquecimento primordial.



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Rumo à terra de ninguém

A discussão em torno da questão do centro e da periferia pode ser retomada através do futebol. Nesse ambiente também uma e outra existem e, como em outros casos, elas se opõem e se mantém através de uma relação de dependência. A periferia do futebol abastece o centro, enquanto este, ainda que de forma minimamente ética, garante a sobrevivência da periferia. Esta relação inevitável tem sua manifestação mais óbvia na constante transferência dos melhores jogadores da periferia para o centro, o que garante a permanência de ambos, mas, ao que parece, pouco a pouco vai exaurindo à morte a periferia. Não que a exportação dos melhores produtos latino-americanos e africanos se encerrará em um dado momento pela falta de geração de novos talentos na periferia. Não se trata disso.
O que ocorre é que, por conta do êxodo dos principais talentos, a exportação está ocorrendo também entre os fãs. Não que eles sejam capazes de deixar seus países de origem para torcer por Milan, Chelsea, Barcelona ou Real Madrid. Mas, desde a periferia, tais fãs, construídos as expensas da pobreza futebolística de suas pátrias, tornaram-se vorazes consumidores dos produtos do centro: entre transmissões esportivas, camisetas e outros artigos, os “torcedores” da periferia criam um vínculo tão frágil quanto artificial, que gera aberrações tais como as declarações de amor de brasileiros – habitantes da maior das periferias – a clubes europeus.
Dias desses, mais precisamente em 17 de janeiro, jogavam Chelsea e Stoke City, com transmissão brasilis. Faltando três minutos para o fim do tempo regulamentar e com 0x1 no placar o Chelsea empataria. Instantes depois, o locutor do jogo anunciou uma mensagem eletrônica de um brasileiro, “torcedor fanático” do Chelsea, declarando que iria chorar se o “seu” clube virasse o jogo, o que de fato aconteceu. Chorar por quê? A partir de que referência ele construiu esse vínculo com o Chelsea? Assistindo na tela a um clube que possivelmente ele nunca viu nem nunca verá ao vivo e que ele certamente conheceu há poucos anos, a partir da reestruturação do clube com dinheiro ilegal, roubado de um povo que, de um dia para outro se viu abandonado pelo Estado e, condenado a pobreza, assistiu a divisão do espólio estatal entre mafiosos do falido regime soviético.
Enquanto isso, em nome de saciar a sede pela vitória que se restringe a um grupo cada vez mais reduzido de clubes, instituições futebolísticas menores (em poder, vale ressaltar) vão definhando, abandonados por aqueles que por diversas desrazões deveriam ser seus torcedores, esquecidas em um universo paralelo, a terra de ninguém do futebol. Uma terra que se torna muitas e só não escapa ao olhar cuidadoso dos preadores institucionalizados (mais conhecidos como agentes FIFA) e de alguns fãs tratados como insanos apenas porque ainda buscam a essência do futebol, que está acima da facilidades de escolher como “clube do coração” aquele que tem mais visibilidade por conta dos títulos conquistados em determinado momento. Conheçam, pois, torcedores de ocasião, a terra de ninguém. Eu lhes guiarei pelo caminho da verdade do futebol. Aos que já a conhecem, desfrutem da renovação desse prazer.

Futebol na terra de ninguém

Futebol na terra de ninguém é o blog da mais improváveis coberturas esportivas. A partir de um olhar altruísta e devotado ao otimismo, levarei ao leitor (se algum existir) uma pequena parte daquilo que acontece em lugares onde o futebol, contra todas as probabilidades, insiste em existir.