quinta-feira, 18 de agosto de 2011

NK Olimpija Ljubljana x ND HIT Gorica

Da esquerda para a direita: as luzes do Stozice brilham mais do que os acontecimentos em campo; a avalanche dos ultras do Olimpija celebra a virada e logo a seguir se desfaz para o retorno da velha ordem; os ânimos esquentam e a ala dos pacifistas chega para evitar a confusão; o placar eletrônico anuncia o momento que muito presentes verdadeiramente esperavam. Fotos: Alessandro Bracht (grande bosta!)

Jogo: NK Olimpija Ljubljana 2x1 ND HIT Gorica
Data: 31 de julho de 2011
Competição: Prvaliga Sl (ou 1.SNL)
Local: Stadion Stožice
Público: em números redondos, 750 expectadores

Fila 13, assento 435, portões C19 ou C18-20. Eis os números (e letra) de meu primeiro jogo de lugares marcados. Na tentativa inicial de encontrar o portão de entrada, fui barrado. Aquele era o acesso dos ultras, dos barrabravas, dos hooligans eslovenos. Depois eu lamentaria não ter sido autorizado. Um pouco de diversão naquela noite de domingo não teria feito mal. Na segunda tentativa, sucesso. Meu ingresso me levava ao setor dos civilizados no novíssimo estádio Stožice:16.038 assentos, integrante de um complexo esportivo e cultural ultramoderno construído tendo em perspectiva eventos internacionais – especialmente aqueles que tem como protagonistas as seleções nacionais de futebol e basquete. Isso quem me disse foi Drago, o taxista mais comprometido e sereno da galáxia, do qual foi impossível duvidar. Tendo adentrado com 40 minutos de antecedência (uma eternidade para os padrões locais), ao som de uma versão eslovena de “Sweet Home Alabama”, pude observar do meu lugar marcado que, apesar do público pequeno, cada torcedor que entrava ia de encontro aos números que constavam na sua entrada. Eles olhavam para o ingresso e caminhavam lentamente, até se confrontarem com a grande descoberta. Longe de serem os únicos no Velho Mundo, os pedestres eslovenos não atravessam a rua caso o semáforo não esteja verde mesmo que seja madrugada e não exista a mínima perspectiva de um carro passar. Sendo assim, procurar pelo assento no estádio semivazio é parte da cultura local. E cultura, quando não há violência como parte integrante, merece ser respeitada. Eu não o fiz. Cercado de fumantes inveterados, troquei de assento para poder respirar – o verde que adorna Ljubljana por inteiro (até o rio Ljubljana é verde) não está na conta desses senhores – e para chegar ao bar com mais facilidade. Sim, na Eslovênia também se pode tomar uma boa cerveja enquanto o jogo acontece.
O time da casa é legalmente recente. A data oficial de sua fundação (2005), entretanto, não faz muita diferença para seus torcedores. O Olimpija Ljubljana de hoje nada mais é que o mesmo criado em 1911 e que quebrou e fechou as portas em 2004. Refundado com o nome de NK Bezigrad e realocado na quinta divisão (sinceramente, não consigo visualizar tal coisa), foi subindo temporada após temporada, até que em 2009 reconquistou seu posto na primeira liga e também seu nome original: Nogometni Klub Olimpija Ljubljana. O adversário da noite quente de domingo, o HIT Gorica, pode ser definido como um dos mais bem sucedidos clubes eslovenos desde a fundação da liga local em 1991: quatro títulos da Liga Eslovena, dois da Copa e um da Supercopa. Com tantos elementos incluídos, ainda que meramente locais, o jogo prometia ser bom. A atmosfera pouco ruidosa e o fato do jogo ser pela primeira rodada, impediram que a profecia se completasse. Mas futebol é sempre futebol. E o pior jogo de futebol é muito melhor que o melhor jogo de vôlei, de tênis ou de basquete. Tanto que, logo aos sete minutos, o bósnio Goran Galešić cobrou um falta da ala direita para o grandote Nejc Mevlja impor-se sobre a defesa e cabecear para as redes. Gol do Gorica. E gol do visitante no início do jogo normalmente provoca a reação indignada dos locais. E assim foi. Pois aos 12 minutos o Olimpija teve um pênalti muito legítimo marcado em seu favor. Mas Dare Vršič resolveu dificultar as coisas e cobrou para fora. A partir daí a modorra tomou conta. O Olimpija tocava a bola e progredia lentamente. Vez ou outra um cruzamento e nada além. Atrás da goleira, os Green Dragons cantavam incansavelmente. Mas os demais 700 e poucos presentes passaram do silêncio aos muxoxos. Vais aqui, xingamentos ali. Quem se aproveitava era Galešić, que resolveu dar uma de maestro do Gorica. Nada de muito produtivo, mas o bastante para reter a bola e enervar mais ainda a torcida. Entretanto, em meio ao desalento, aquele que havia perdido o pênalti encontra sua redenção ao desferir um chute potente de fora da área e fazer a bola chegar ao ângulo esquerdo do goleiro Vasja Simčič. Eram 43 minutos. O primeiro tempo havia sido salvo por aquele que quase botou tudo a perder. Para a etapa final, suponho que o treinador do Olimpja tenha instruído seus comandados a marcarem impiedosamente Galešić. Feito isso, o camisa 10 do Gorica mostrou-se um chiliquento de marca maior. Seu companheiro de time, o brasileiro Franklin e suas trança sacolejantes, mostrou-se fiel escudeiro. De aparição nula nos primeiros 45’, só fez se jogar na tentativa de angariar faltas no segundo tempo, no qual foi substituído por estrelismo crônico. Perante esses dados negativos dos visitantes, o Olimpija passou a cruzar e cruzar bolas altas para a área. Numa dessas, em cobrança de escanteio, o zagueiro Milan Anđelković aproveitou o rebote concedido por Simčič e enfiou a patada. 2x1. Ele corre em direção aos ultras, que promovem uma avalanche na escadaria entre os assentos do Stožice. Nesse instante, tive saudade da minha ‘casa’, prestes a ser demolida. Depois de virar o jogo, a equipe local recuou perigosamente e o Gorica teve chances de empatar em repetidas lambanças da defesa, que em duas ocasiões afastou a bola nos pés dos atacantes adversários quando a ideia inicial certamente era mandá-la para fora do estádio. Para o Olimpija, felizmente, a retribuição foi em conclusões erradas, ainda que perigosíssimas. Passados os três minutos de acréscimos, partida encerrada e aquela alegria eslovena nos assentos marcados. Ao retornar para o centro histórico de Ljubljana, com o cachecol do Olimpja exposto em busca de aprovação pública, tive que me contentar com a companhia de um par de cervejas pois ninguém parecia interessado em futebol (ou na minha pessoa, quem sabe...). Mas assim tem que ser: os verdadeiros heróis não podem esperar o reconhecimento.

sábado, 13 de agosto de 2011

NK Zagreb x NK Karlovac

Da esquerda para a direita: sem ansiedade ou pressa, a torcida local vai ocupando seus assentos; no cimento do lado oposto, os ultras do Karlovac fazem barulho; as bandeiras movimentam-se ao sabor da brisa do verão; o radialista sem cabine narra a partida entre os mortais; jogadores do Zagreb comemoram seu primeiro e suado tento; mais uma conclusão do Karlovac fica no quase. Fotos: Alessandro Bracht (com cerveja!)

Jogo: NK Zagreb 3x0 NK Karlovac
Data: 29 de julho de 2011
Competição: Prva HNL
Local: Stadion Kranjčevićeva
Público: Por volta de 1500 expectadores

“It will be lousy”. A definição das possibilidades de meu primeiro jogo em território europeu, dada pelo bartender de um dos tantos restobares da Old Town de Zagreb, foi motivante. E não se trata de ironia. Quando alguém me diz que um jogo de futebol tem tudo para ser péssimo, eu o desejo mais ainda. Excentricidade, mania de ser diferente – as acusações são sempre as mesmas. Em minha defesa, também o de sempre: acredito que o futebol da periferia é mais verdadeiro, não reúne fãs de ocasião, não navega ao sabor da moda – ontem Chelsea e Madrid, hoje Barcelona e Manchester United. É uma lógica simples, que divido com quase ninguém. Ao sair do hotel e pedir uma informação sobre a direção do estádio, as palavras de apoio seguiram, dessa vez do desiludido recepcionista. Ele afirmou que eu estava indo em busca de algo que não existe, ou seja, futebol na Croácia para além das duas equipes que se alternam na conquista da liga local: Hajduk Split e a NK Dinamo Zagreb (momentaneamente, nenhuma das equipes lidera o torneio, mas é apenas o começo).Óbvio que acusar as duas percepções sobre o jogo para o qual rumava de excessivas não seria justo. Por que então gostar tanto do vivido no confronto entre os ‘Poetas’ – apelido do Zagreb por conta de seu endereço, que leva o nome do poeta croata Silvije Strahimir Kranjčević – e o time da cidade vizinha de Karlovac? Para começar, pude ir caminhando até o estádio, algo que não fazia há quase dois anos. Esse pequeno e breve ato tem sabor de dias felizes que não voltam mais, mais certamente ainda a partir de 2013. Outro sabor de dias felizes que reexperimentei foi o de tomar cerveja nas dependências do estádio – prazer que me foi roubado há mais tempo ainda. De resto, ainda que não uma grande novidade para mim, interagir com os torcedores locais – um deles inclusive pedindo dicas a respeito de jogos brasileiros nos quais ele apostava –, a atmosfera razoavelmente barulhenta causada pela presença de torcedores visitantes e o futebol em si mesmo (mais a noite quente que demora a chegar no verão do velho mundo) explicam meu regozijo. De resto, apesar dos tempos bicudos, o futebol croata já revelou jogadores de expressão internacional como Davor Suker, Svonimir Boban, Robert Prosinečki, (estes da vitoriosa campanha na Copa do Mundo de 1998), Niko Kranjcar e Eduardo da Silva, brasileiro naturalizado croata e de boa passagem pelo Arsenal. Quem sabe eu não estava presenciando o despertar de um novo talento no próprio berço (digo isso lembrando de um clássico de Avellaneda ao qual estive presente em 2006 e que, para minha momentânea tristeza, teve como personagem principal Sergio Aguero)?
Os movimentos da partida lembraram aquilo que já vi em quantidades no meu próprio terreiro (se bem que depois de tanto futebol nessa vida, o que eu ainda não vi acontecer quando rola a pelota?), ou seja, a lógica de um jogo marcado pela paridade de domínio territorial e situações de gol seguido por um placar que representa apenas o fato de que, na hora de colocar a bola na rede, o time mais tradicional se impôs – os campeonatos estaduais no Brasil são exemplares nesse sentido. Dito isso, uma breve descrição dos gols marcados pelo NK Zagreb e de alguns dos muitos perdidos pelo NK Karlovac, para fechar a conta: aos 28, Nicola Frljužec invadiu a área pela direita e chutou forte, meia altura, cruzado. O esforçado keeper Igor Lovrić não fechou a porta como até então havia feito. O avante Frljužec ainda perderia de marcar novamente duas vezes ainda no primeiro tempo. Na etapa final, em seus primeiros 20 minutos, o Karlovac foi para frente e teve três boas chances, duas delas com o bósnio Edin Husic, misteriosamente na reserva de um time de tão pouco talento na hora de concluir. O mesmo pouco talento que fez Stjepan Kokot e Tomislav Ivičić perderem outras oportunidades de ouro, o primeiro com os pés e o segundo com a cabeça, quando na frente existia apenas no goleiro Igor Vidaković. Cansados de emoções fortes e do nervosismo da plateia, o Zagreb resolveu o jogo. Aos 73 minutos, em contraataque forjado após a zaga afastar cobrança de escanteio, Josip Jurendić cruza para área e Vedran Celišćak pega de voleio e marca um gol de fazer a noite de futebol valer mais ainda. Na comemoração, ele acena para seus familiares e chupa o dedo (eis o único elo que essencialmente encontrei entre este e qualquer jogo de um das grandes ligas mundo afora). Pouco mais tarde, aos 83’, o capitão Vedran Celišćak encerra os trabalhos ao receber passe dentro da área, domina e chutar rasteiro. A alegria dos locais está completa; os ultras do Karlovac, encerrados num espaço cercado do estádio, recolhem suas faixas. E eu corro em direção ao Medvedgrad para tomar a melhor cerveja artesanal e comer a melhor comida típica em minha última noite de Zagreb.

O jovem futebol balcânico em seu labirinto

Nas repúblicas egressas da extinta Iugoslávia, o futebol dá seus primeiros e trôpegos passos.

Além dos ressentimentos que restam, as repúblicas que um dia conformaram a extinta Iugoslávia penam também para reencontrar seus caminhos no universo futebolístico. Para além de algum sucesso através de suas seleções nacionais, internamente os problemas são aparentemente insolúveis. O maior deles, e que já não sei mais se é causa ou consequência, a falta de interesse popular. Mas sempre existirão os abnegados que mantém viva a chama do melhor e maior de todos os jogos. É sobre eles e para eles as duas postagens a seguir (em caso de leitura, claro, para você também).