quinta-feira, 26 de maio de 2011

Não está sendo fácil...

Loud and clear: você que não paga para assistir um jogo que jamais assistiria se tivesse que pagar é um fora-da-lei

Andam complicadas as coisas para que Futebol na Terra de Ninguém renove-se mais constantemente. O simpático aviso que ilustra o presente post explica boa parte do problema. O domínio original do site Rojadirecta (extensão 'org') foi detonado e mesmo com sua migração para novos endereços (rojadirecta.es ou rojadirecta.me) está cada vez mais complicado assistir jogos através da internet, principal fonte de abastecimento desse que vos escreve. Não foram poucas as tentativas abortadas porque o sinal foi cortado em meio a partida graças a ilegalidade da operação. Une-se a isso o mal-caratismo do provedor Justin, que há pouco mais de um ano resolvou deixar seus princípios de lado e vender o sinal que deveras rouba. Esse merece el paredón! Faço o blog porque realmente gosto. É trabalhoso, demorado e não raramente irritante - mas daí é culpa de minhas inabilidades e de meu equipamento caquético de informática. Mas deixaria de fazer se fosse preciso pagar para tanto. Lembrem-se: eu não sou a Maria Bethania - algo que muito me alivia, ainda que tenhamos testas similares. Mas digamos que, na hipótese de ser contemplado com uma polpuda verba da Lei de Incentivo a Cultura (LIC), como eu manteria em dias as mensalidades do pay-per-view do campeonato argentino da terceira divisão, por exemplo? Talvez a AFA me enviasse um carnê (junto com uma ambulância e uma camisa de força). Bom, na verdade eu pegaria o dinheiro do contribuinte e torraria em viagens para ver o mesmo futebol que assisto pela rede mundo afora. Mas isso não vai acontecer. Em resumo, parece estar havendo uma inversão da lógica atual das coisas uma vez que a internet tornou-se opção para acessar produtos culturais gratuitamente. Eu sou um dos últimos compradores de discos desse mundo, reconheço. Mas não ajo assim porque considero sujeira baixar musica gratuitamente. É mera questão de gosto pessoal. Quanto a filmes, não compro. Baixo, quando não está disponível para locação. Mas não compraria caso não pudesse baixar. Os DVDs oficiais estarão no lugar de sempre, se depender de mim. Da mesma forma o futebol que trago através desse blog. Ele está aqui porque é possível. O esforço de assistir está combinado ao tempo que é preciso - algo como duas horas - e ao não ao seu valor de mercado. Até porque muitas vezes a transmissão é um lixo: imagem ruim, delays constantes... Sendo assim, bloquear o sinal de um jogo da seleção da Estônia vai ser simplesmente bloquear o sinal de um jogo. Nada além. Tal ação não terá efeito algum em termos financeiros. Ah, mas também tem jogos do Manchester United e do Barcelona disponíveis através do Rojadirecta e a rede é mundial! Sim, e eles passam em canais abertos para qualquer jacu assistir. Para isso, a ilegalidade torna-se mera impertinência desnecessária. Por ora, peço paciência aos meus incontáveis seguidores (incontáveis pois sei contar somente até 10) e mantenho a promessa de seguir na luta. Como diria a Kátia,"não está sendo fácil viver assim, você está grudado em mim". Se um dia não der mais, eu serei o primeiro a avisar.

VFL Osnabrück x SG Dynamo Dresden

Da direita para a esquerda: goleiro driblado e a certeza do gol; certeza que se esvai no esforço de Nickenig; o torcedor leva as mãos à cabeça, sinal vital de nervosismo; O abraço de Schahin no aliviado Koch é o último movimento da partida; em um final assim, a tristeza de um simboliza a de todos; alegria, cerveja e fumaça no verão da Saxônia. Fotos: Alessandro Bracht

Jogo: VFL Osnabrück 1x2 SG Dynamo Dresden
Data: 25 de maio de 2011
Competição: 2. Bundesliga Relegation
Local: Osnatel-Arena
Público: Lotou o estádio para 16.130 torcedores
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Se perguntado onde gostaria de estar em algum momento e lugar específicos da história, eu diria sem hesitar: nove de novembro de 1989, Berlim Ocidental. Se assim pudesse ser, aos 17 anos eu teria assistido a Queda do Muro. Teria visto o símbolo maior de uma era ser demolido a marretadas, picaretaços e chutes. Teria testemunhado encontros e reencontros emocionados. E visto os alemães até então orientais promoverem a explosão das vendas de discos dos Beatles (sempre eles...), Led Zeppelin (o IV, aquele da chatérrima Starway to Heaven) e Pink Floyd (The Wall, claro) em tempos de acid house, Stone Roses e, no caso específico da Alemanha Ocidental, possivelmente Die Ärzte. Entretanto, se me perguntassem se gostaria de estar lá nos anos imediatamente seguintes à queda, eu provavelmente diria ‘não’ (claro que se a outra opção fosse Canoas, a resposta poderia ser ‘talvez’). E se fosse torcedor devotado de algum time originário da RDA, certamente cravaria o xis no ‘não’. Pois da mesma forma que os egressos do regime estatal logo sentiram-se cidadãos alemães de segunda classe, atrasados tecnologicamente, politicamente, intelectualmente e esteticamente, os clubes de futebol da extinta Alemanha socialista miraram seus pares, construídos na riqueza da RFA e encararam um drama similar. Se o espião da polícia estatal (Stasi) tornou-se gari, que destino diferente em se fazendo um paralelo poderiam ter os clubes que dependiam do investimento estatal instantaneamente perdido? Aceitar o que estava por vir ou desaparecer – o que, no fim das contas, não resultou muito diferente, já que em 1991 a Deutscher Fußball-Bund (DFB ou Federação Alemã de Futebol) tragou a Deutscher Fussball Verband (DFV ou Associação Alemã de Futebol) e ofereceu duas vagas na nova primeira divisão da Alemanha unificada para clubes egressos da DFV – vale afirmar que na temporada recém terminada, nenhum clube do extinto lado oriental jogou a Bundesliga e desde a reunificação apenas três passaram por lá. Os contemplados de ‘91 foram Hansa Rostock, campeão da última temporada no lado leste, e o Dynamo Dresden, o clube da Stasi e oito vezes ‘insuspeito’ campeão da RDA. Resultado imediato: queda do Hansa na sua primeira temporada de Bundesliga e resistência claudicante do Dynamo por cinco anos, encerrada com a queda para a segunda divisão na temporada 1995/96. O clube, porém, nem chegou a colocar os pés na 2. Bundesliga. Por conta de dívidas que ultrapassavam os DM 10 milhões, encontrou sítio em uma das terceiras divisões regionais da época. De lá para cá, a melhor notícia para o Dynamo foi uma nova reforma no futebol alemão, que criou uma terceira divisão para a temporada 2008/09, a 3. Liga.
O jogo aqui em questão, depois de tanto dito, tem sabor de história para o Dynamo Dresden. Desde a queda livre da metade dos anos 1990, o clube não enxergava tão viva chance de tocar a terra depois de tantas temporadas no inferno. Terceiro colocado na 3. Liga, atrás dos dois clubes que conquistaram vagas para a segunda divisão diretamente, conseguiria chegar pela primeira vez a 2. Bundesliga em substituição ao seu adversário da vez, o antepenúltimo e VFL Osnabrück em dois confrontos. Com tanto a se ganhar e perder num par de confrontos, o nervosismo foi inevitável na Saxônia. A primeira partida, com mando do Dynamo, encerrou empatada em 1x1. A aparente vantagem do Osnabrück teria que ser afirmada no segundo jogo. Significativamente presentes no estádio, minoria barulhenta, os torcedores visitantes não deixaram o Dynamo desvalido. Em parte, o fator local não parecia ter tanto peso. Tratava-se de uma torcida de fanáticos contra a maioria menos ruidosa. Em campo, os primeiros 15 minutos foram obviamente travados pela tensão. Mas a partir da primeira chance criada pelo Osnabrück através de uma cabeçada torta do lateral-direito Schnetzler, que apareceu na entrada da pequena área como centroavante e concluiu feito zagueiro, as emoções se sucederam. Três minutos depois, primeira vez do Dynamo: o atacante Schahin invade a área pelo lado esquerdo, dribla o goleiro Berbig e conclui. O defensor Nickenig arremessa-se em direção a bola e a corta para escanteio. Para tanto, acabou chocando-se com a trave e precisou de atendimento médico. Oportunidades claras foram se alternado até o final do primeiro tempo. Fosse por ineficácia dos atacantes ou esforço de ambos goleiros em diversas ocasiões, na se esperaria tanto pelo gol. Assim, aos 45 na bucha, Schnetzler fez o que é pago para fazer: pegou rebote do escanteio que ele mesmo cobrou e cruzou na cabeça do zagueiro Mauersberger. Ele saltou entre os defensores e colocou longe do alcance do goleiro Kirsten. Comemoração efusiva, alívio para o Osnabrück e fim do primeiro tempo.
Sem escolha, o Dynamo veio armado para atacar na segunda etapa. Mas Schnetzler queria ser o nome do jogo e aos 58 minutos lançou-se de cabeça na bola para cortar um cruzamento. Não fosse Berbig, o empate teria vindo num autogol. Mas naquele momento, o time visitante tinha tomado conta do campo. Aos 61, Fiel, meiocampista metido a maestro da equipe, cobrou falta do bico da grande área. A bola desviou na barreira e entrou no canto direito de Berbig. Ele, que já caía na direção oposta, só pode fazer aquela tradicional cara de bunda. Com trinta minutos pela frente, os ataques rarearam: alguns escanteios mal aproveitados, chutes de longa distância e cruzamentos da intermediária, todos facilitadores das ações defensivas. Senha para prorrogação.
Aí a ocasião fez a coragem. Com três minutos de tempo extra, Schahin pulou sobre o zagueiro do Osnabrück e marcou o segundo do Dynamo. O jogo abriu novamente e o clube mandante foi para cima desordenadamente. A exposição defensiva permitiu aos de Dresden contraatacar. E depois de três desperdícios inexplicáveis, daqueles de fazer a torcida pensar no pior, o terceiro gol foi marcado: bola roubada na metade do campo, lançamento para direita. O jogador que estava lá, e que lamentavelmente não sei nomear, tocou de calcanhar para a disparada de Schahin, o insistente. Ele chegou ao fundo do campo e cruzou rasteiro para Koch completar para o gol desprotegido. Era o SG Dynamo Dresden derrubando o muro que, apesar de 1989, seguia praticamente intacto para o próprio clube. Enquanto comemoravam o gol da certeza, o enfrentamento foi encerrado. As cenas que seguiram foram tão repetidas quanto comoventes. Você que já passou por algo parecido não necessita de descrições. Você que não passou não vai me ler mesmo.