sábado, 17 de outubro de 2009

O ocaso do Racing Club

A quem guarda La Guardia Imperial?

Em fevereiro do ano corrente, postei a cobertura do jogo entre Racing Club e Argentinos Juniors. O match fugiu um tanto das características que fizeram o blog surgir uma vez que se tratava de um jogo da principal divisão do futebol argentino, entre duas equipes em longínquos dias campeãs da Taça Libertadores da América e com estádio praticamente lotado. O fato de mirar confronto, portanto, não incluía fatores como a invisibilidade dos clubes, a divisão em que os mesmos estavam alocados ou um público diminuto. O fator essencial era a situação de La Academia naquele momento – e que estão expressas no mesmo post. Depois de lá e de uma série de jogos sem vitória, o Racing emendaria bons resultados sob o comando do motivador Caruso Lombardi e escaparia inclusive dos temíveis confrontos da promoción. Ainda que sem nada mais para comemorar que não o simples alívio, parecia que o segundo semestre, com seu Torneo Apertura, seria o início de uma nova era. O ex-presidente Nestor Kirchner inclusive prometeu premiar os atletas e a comissão técnica caso alcançassem uma vaga na Libertadores 2010. Hoje e nesse exato momento, o Racing Club está jogando a nona rodada de campeonato e segue sem vitórias - a série de fracassos inclui mais uma derrota para o Independiente, dentro de seus domínios. O adversário do momento é exatamente o Argentinos Juniors. Assim como naquela noite de sábado, em fevereiro, o Racing estreia um novo técnico, Juan Barbas, e não parece ter como destino o triunfo. O jogo está no intervalo e 2x0 para os locais é o placar. Nem é necessário esperar o final para confirmar a derrota. O caso já não pode nem mais ser tratado como crise. Esta costuma ser passageira, mesmo que por vezes duradoura. Pois a situação do Racing não se altera desde o final da década de 1990. Haja apego para seguir frequentando o velho Cilindro de Avellaneda.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Mudar para permanecer

Uma nova luz sobre a terra de ninguém. Foto: Alessandro Bracht

Hora de mudar, mas sem abandonar a razão de ser do Futebol na terra de ninguém. Afinal, apesar do grande prazer e dos resultados satisfatórios das coberturas futebolísticas presentes nesse blog, a missão demanda um tempo que muitas vezes não disponho. Assistir ao jogo e sacar fotos, escrever o texto, montar as imagens... Tarefa para horas. Prova disso é que durante agosto e setembro, nada foi feito. E blogueiro que se apresenta como tal está sempre lá, deixando novos posts a mercê da opinião pública.
Vá lá que poucos acessam meus escritos, mas também não me dispus a divulgá-los mais intensamente justamente porque a renovação do mesmo andou complicada – misto de falta de tempo com certa dose de preguiça quando tempo havia, aliado ao fato de que alguns disponibilizadores de transmissões via web resolveram que era hora de ganhar dinheiro com o produto de seus furtos e muitos dos jogos escolhidos não puderam ser vistos. Pagar para ladrões encerra com a ética primordial um dia propalada por esses quebradores de sinal, ou seja, do roubar dos ricos para dar aos pobres (mais sobre esse tema em uma próxima postagem).
Assim que, sem deixar de lado a tradicional cobertura de jogos quase invisíveis mundo afora, farei do Futebol na terra de ninguém um espaço para textos que, claro, versarão sobre o futebol, suas estranhezas, tristezas e mazelas, mas sem a obrigatória presença do jogo em si. Pois o futebol vai muito além do que acontece em campo ou nas arquibancadas (sim, elas ainda existem), quem o conhece minimamente sabe disso. E se não chegou ainda ao ponto de identificar mais claramente suas relações com universos paralelos como a política, o capital e as causas particulares, ainda há tempo para aqueles que o desejam. Quem sabe eu não dou uma pequena ajuda?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Montevarchi Calcio Aquila 1902 x ACD Guidonia Montecelio

Da esquerda para a direita: Leto engata a marcha para cobrar a falta; a bola ruma veloz para o alvo; a rede estufada confere maior beleza ao lance; os ultras do Montevarchi preparados para a batalha; Fiorindo, o massagista que queria ser árbitro; Emanuel Opara sob o sol da Toscana. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Montevarchi Calcio Aquila 1902 1x2 ACD Guidonia Montecelio
Data: 11 de outubro de 2009
Competição: Calcio Serie D
Local: Stadio Comunale Gastone Brilli Peri
Público: menos de 1% da população local

O futebol italiano anda meio chato. Pelo menos aquele que nos chega: a Serie A do Calcio. Ainda que a maioria das grandes ligas européias não conte com mais que quatro postulantes ao título de campeão, o que já rouba parte da emoção, apenas na Itália existe candidato único, que é a tal Internazionale. Juventus, Milan e Roma e afins ficam por ali, lutando por vagas na UEFA Champions League e isso já faz uns bons quatro anos que acontece. Portanto, mediante essa perspectiva, o melhor maneira de apreciar o calcio é isolar os eventos do contexto maior. Rivalidades locais viram atração e podem surpreender (quando não é o derby milanista). Os estádios dos tempos do cimento fazem lembrar dias menos capitalistas. As fissuras políticas – caso dos conflitos entre o setor fascista da Lazio e os esquerdistas do pequeno Livorno – remetem aos dias de velha ordem mundial. Paolo Di Canio (o vilão) e Cristiano Lucarelli (o herói que não o quer ser), punidos de formas diferentes por pensarem e levarem a política para dentro de campo. Na verdade, não é o futebol italiano que está chato. O mundo sem ideologias e com assentos marcados está chato! E pensando assim o futebol italiano deixa de ser chato porque reúne elementos para não ser chato, fora o fato de se saber de antemão o futuro dono do scudetto. Felizes dos fanáticos torcedores brasileiros da Internazionale! Ah, como é bom torcer pela equipe de Milão em Teresina ou em Macapá! Viva a desterritorialização do futebol! Viva a globalização!
Chega de acidez, vamos ao futebol. A Serie D do calcio é a principal liga amadora na Itália. Acima dela estão as quatro divisões profissionais: Serie A, Serie B, Serie C1 e Serie C2. Portanto, oficialmente, os atletas dos clubes envolvidos na disputa não deveriam receber para estarem em campo. Ainda que sem provas, creio que, pelo visto na partida entre Montevarchi e Guidonia, não é o que ocorre. Havia claro sintomas de profissionalismo em campo, revelados especialmente pela velocidade dos movimentos e pela habilidade individual de alguns atletas. O gol de Antonio Leto, do Montevarchi, surgiu a partir de uma cobrança de falta primorosa. Um daqueles chutes potentes que passa sobre a barreira e desce velozmente sem dar muita chance de ação para o goleiro, no presente caso, Emanuel Opara, que apesar do fenótipo afro, é italiano de berço. Sem muita precisão, creio que o chute foi desferido há uns 30 metros de distância do gol. O narrador italiano fez o comentário adequado: “um gol de cinemateca!”. Ao fim, apesar da derrota de seu time, Leto mostrou qualidade que, se repetíveis em outras ocasiões, poderiam fazê-lo pensar em algo maior para sua carreira futebolística. O segundo gol do Guidonia também ocorreu graças a uma conclusão de longa distância. Não era cobrança de falta, não havia barreira, mas a bola passou entre diversos corpos e encontrou a rede do guarda-metas Lorenzo Colcelli após percorrer praticamente a mesma distância do chute de Leto. Esse seria o tento da vitória, confirmada ainda no primeiro tempo – o outro gol, primeiro do gioco, foi do defensor Emanuele Razzini. Mas poderia ter sido diferente. Na segunda etapa, Opara fez defesas difíceis, quase cometeu uma falha ridícula que o recolocaria no banco de reservas e ainda contou com outras conclusões erradas dos jogadores da equipe local. Se mãos na cabeça por gols perdidos resultassem em algum benefício, os locais teriam alcançado algo melhor.
No mais, destaque para o massagista Fiorindo Zuconelli, que parece ter sonhado se tornar árbitro, mas não conseguiu. Não que ele tenha ficado a beira do campo querendo apitar, como se diz daquele integrante da comissão técnica que não para de aporrinhar o juiz e principalmente seus assistentes. Suas vestes é que denunciam o fato: camiseta amarela, calção preto e meias pretas esticadas até o joelho. Quando o vi em campo pela primeira vez, atendendo um atleta supostamente lesionado, achei que fosse realmente o homem do apito dando uma assistência face a falta de pessoal especializado na região da Toscana.

Estonija x Bosna i Hercegovina

Da esquerda para a direita: Misimovic faz um esforço sobre-humano em busca do gol; mas a bola fica nas mãos do goleiro Sergei Pareiko; os torcedores da Bósnia pensam na África do Sul; dois momentos de invocação religiosa entre os sinigärgid: Pareiko de joelhos parece rezar pelo fim e Alo Bärengrub é influenciado pelo islamismo bósnio; um tapa nas costa afirma: "calma, camarada, já vai acabar". Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Estonija 0 x 2 Bosna i Hercegovina
Data: 10 de outubro de 2009
Competição: Eliminatórias para a Copa do Mundo 2010
Local: A. Le Coq Arena
Público: De regular para bom

O jogo pode ser mirado pelas mais diversas perspectivas, da mais sorridente a mais perversa. Em se tratando do futebol, então, o sorriso e a perversão parecem estar unidos o tempo inteiro. O confronto entre Estônia e Bósnia e Herzegovina, válido pelas eliminatórias européias para a Copa do Mundo da África do Sul no ano vindouro, abriu possibilidades nesse sentido, mas as extremas, a mais doce e a mais amarga, venceram, em acordo com minha totalitária eleição: a constante vaia dos torcedores estonianos perante a preguiça de seus representantes (amarga, até demais) e a grande chance da Bósnia, um país que ainda estanca e costura o sangramento, estar “lá” em 2010 (doce, mas ainda não plenamente açucarada) merecem minha dedicação.
A partir do que foi visto no Nike-friendly match entre os sinigärgid e o Brasil-preguiça em agosto, parecia que a ex-república da extinta CCCP não era tão futebolisticamente frágil. Um pouco violenta quiçá. Fora isso, algo de promissor parecia estar por lá. Engano. O broxismo brasileiro no amistoso promovido para vender artigos esportivos explica essa impressão errada, pois a seleção estoniana é vergonhosa. E não pelo mau futebol exatamente, mas pela falta de vontade. Mesmo levando em consideração que a Estônia já estava previamente eliminada antes mesmo da partida em questão, entrar em campo de má vontade é inaceitável. Eu abomino a vaia em jogos de futebol. Fiquem em casa os que vaiam, recomendo. O estádio é para torcedores. Mas nesse caso, elas foram justas, procedentes certamente. Para um jovem Estado-nação como a Estônia, emergida da falência do desnacionalizante socialismo real, vencer um jogo ou perder lutando bravamente seria razão para os integrantes do Jalgpallihaigla (Hospital do Futebol) deixarem o estádio e beberem inúmeras cervejas orgulhosamente. Vontade e garra, e quando possível vitórias, são o que os torcedores mais desejam. Se elas não existem, pouco sobra. Mas eles não puderam fazer isso. Beber talvez sim, mas sem orgulho, o que encaminha a frustração, a dor de cabeça sem alegria, a ressaca moral de quem se emborracha, mas não para celebrar.
A Bósnia e Herzegovina, contudo, abriu sorrisos. De orgulho e esperança. Graças ao 0x2, a terra dos muçulmanos no Bálcãs irá disputar uma vaga na repescagem européia (o primeiro lugar do grupo E ficou com a eterna candidata ao título, a Espanha). O adversário, ainda desconhecido, que me perdoe. Mas eu quero a Bósnia na Copa do Mundo. Assim como adorei ver a Croácia e a Eslovênia em outras edições.Toda e qualquer alegria que emane da extinta Iugoslávia merece o valor de uma paixão correspondida ou do sorriso do Marechal Tito (a Sérvia - ainda unida a Montenegro - promoveu um dos mais tristes espetáculos da última Copa. Não mereciam 2010, mas já estão lá).
Falta o jogo em si mesmo. Assim como não falta muito para falar dele. A má vontade estoniana gerou lentidão e passes para os lados quando da posse de bola e marcação sonolenta quando o objeto estava nos pés do adversário. Aos bósnios, aproveitar a fraqueza do oponente, marcar um gol em cada tempo e, depois disso, imitá-lo. Os tentos foram quase assim. Alguém com sobrenome finalizado em ‘ic’ (itch) passou para outro jogador com sobrenome finalizado em ‘ic’ (itch) que cruzou para outro ‘ic’(itch). Gol da Bósnia-Herzegovina. Como eu disse, quase assim. Pois o primeiro gol foi do único não-ic (não-itch) da seleção bósnia: Edin Dzeko, aos 30 minutos. O segundo foi. Vedad Ibisevic garantiu a vitória numa tradicional linha de passes entre ‘itches’ que o deixou na frente do goleiro Sergei Pareiko, por volta dos 65’. Agora resta esperar pelos jogos decisivos de ida e volta. Não entendeu ainda porque a dedicação a causa futebolística da Bósnia? Então leia as HQs ‘Área de Segurança: Gorazde’ e ‘Uma história de Sarajevo’, ambas de Joe Sacco. Ah, não gosta de ler? Também não sabe o que é HQ? Então [piiiiiii], alienado de [piiiiii]! Vá torcer feito boneca de plástico e participar das comunidades do Orkut do Chelsea, do Manchester United ou do Real Madrid! Esse é seu papel. Bundão!