terça-feira, 20 de julho de 2010

Mea culpa

A ameaçadora publicidade da Kulula Airlines

Admito sem reparos, pois não sou de ficar culpando os outros. Entreguei-me à Copa do Mundo FIFA. Deixei meu grito irredentista esmorecer, permiti que minha voz (que talvez não chegue a ninguém, mas e daí?) se calasse perante uma competição que é pouco mais do que a expressão de um mundo corrompido, ao qual não quero pertencer. Uma competição da FIFA. A FIFA que ordenou a detenção de um grupo de holandesas deliciosas sob a alegação de que elas faziam publicidade ilegal no entorno e dentro do estádio, que nem lembro qual era. Talvez o Sucker City. A FIFA que conseguiu através de seu poder retirar de cena a publicidade da empresa aérea sul-africana Kulula – reproduzida acima - sob o argumento de que havia "benefício promocional pela criação de uma associação não autorizada com a Copa do Mundo FIFA" apenas porque ela se afirmava como “o transporte não-oficial você sabe do quê”. A FIFA que proibia que os pobres africanos vendessem suas bandeiras e vuvuzelas nas proximidades dos estádios, caso não fossem produtos autorizados pela própria – inacessível aos pobres, claro. Uma simples camiseta com a inscrição 2010 e nada mais podia ser apreendida como produto ilegal. Pubs estavam terminantemente proibidos de anunciar a transmissão dos jogos, ainda que tenham pago para isso. Se houvesse o uso combinado da bandeira da África do Sul com uma bola ou com a vuvuzela fosse onde ou em que fosse, pronto, também não podia. Como disse o secretário-geral da FIFA, Jermone Valke, “uma estádio é um perímetro da FIFA (...) Dentro desse perímetro existem pessoas que tem direitos e pessoas que não tem direitos”. E eu, preguiçosamente, me calei. Deitei em berço esplêndido para ver jogo após jogo, transmissão após transmissão. E não há desculpa. O futebol não parou mundo afora. Na América do Sul, Peru e Equador tocaram suas competições nacionais; na Europa, aproveitando o verão, países de inverno gelado como Finlândia e Lituânia seguiram suas vidas. Para eles as coisas não mudam muito mesmo. Alijados da Copa do Mundo desde sempre, no caso europeu, e de raras participações no que tange aos sudamericanos – o Peru esteve em sua última Copa em 1982 enquanto o Equador participou de apenas uma (2006) –, não havia porque ficar sentado em frente a televisão mirando a vida dos outros. Tampouco o público dos estádios aumentou ou diminuiu nesses lugares por disputar espaço com a competição que, segundo a ESPN Brasil, fazia com que nada mais importasse (de forma relativamente contraditória, já que seus jornalistas insistentemente não deixavam de denunciar aquilo que consideravam injusto em um país de tantas injustiças). Então, como expiar minha culpa? Voltando. Não há muito mais que eu possa fazer. Haverá futebol em países esquecidos pelo mundo do futebol de plástico. E eu estarei lá, no mais das vezes em espírito. Sempre. E haverá, claro, a sangria financeira resultante das obras para a próxima Copa do Mundo, que mais uma vez acontecerá em um país desprovido de condições reais para sediá-la, e que merecerá ser sempre denunciada. Aliás, recomendo que o slogan da próxima Copa do Mundo seja: “Welcome to the house of dolls”. Pois quando a brincadeira acabar, a casa ficará vazia.


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