segunda-feira, 13 de julho de 2009

E.C. São José x E.C. Pelotas

Da esquerda para a direita: o velho pavilhão do Passo da Areia reúne a banda Os Farrapos; fuga para a vitória; mais um cruzamento para a área e mais uma chance desperdiçada pelo esquadrão de suplentes; a Força Jovem chega com o jogo em andamento; o torcedor do Pelotas hiberna na embriaguez; Lobo bom não se mistura. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: E.C. São José 2 x 0 E.C. Pelotas
Data: 11 de julho de 2009
Competição: Campeonato Brasileiro Série D
Local: Estádio do Passo d'Areia
Público: meia dúzia de gatos (ou lobos) pingados

Porto Alegre, capital do Rio Grande Sul conta com três clubes jogando o Campeonato Brasileiro de 2009. “Três?”, perguntariam os desavisados em maioria. Sim, pois o E.C. São José, a.k.a Zequinha, disputa a quarta divisão do futebol brasileiro e na tarde fria e de sol tímido de sábado, faria seu primeiro jogo em casa após estrear com vitória ante o Brusque, esquadrão do estado vizinho de Santa Catarina. O adversário foi o E.C. Pelotas, tradicional equipe do interior do estado, que hoje luta para voltar a elite (forte essa!) do futebol sul-riograndense. Essa mesma luta, que se encontra em andamento, forçou o E.C.P a deixar seus principais jogadores fora da partida, todos poupados para algo maior, mas ainda assim trouxe seus mais empertigados torcedores para apoiar a equipe em missão que, terminado o match, se mostraria impossível. O estado de coisas dos dois clubes é diferente. O Zequinha, time quase centenário e praticamente sem torcida, vive um período de relativo conforto financeiro graças aos investimentos do empresário Francisco Noveletto, também presidente da Federação Gaúcha de Futebol. Desde que ele assumiu o clube, o estádio passou por uma ampliação, com a nova arquibancada servindo de cobertura para salas comerciais desocupadas na parte externa, jogadores veteranos e promessas não cumpridas que um dia pertenceram a grande clubes chegam (e se vão sem muito barulho). Seu jogador mais conhecido é o arqueiro Rafael, de carreira longeva pelos pequenos do RS. Assim também não há grandes dificuldades em permanecer na divisão principal do futebol gaúcho, o que lhe oportuniza ter alguma visibilidade por ocasião de enfrentamentos com o Grêmio FBPA e o Sport Club. Já o Pelotas, fora do Gauchão Série A desde sei lá quando, empobrece a cada ano que passa, ainda que possa contar com uma torcida fiel, típica da irredutibilidade pelotense (o outro clube da cidade, o Brasil, rebaixado na último gauchão por força da tragédia rodoviária que se abateu sobre o clube, não apenas repete, mas amplia a essa tradição). Com parcos recursos, a esperança é estar de volta a premiership gauchesca em 2010 e assistir ao tradicional adversário chafurdar na mesma areia movediça que há tempos sufoca o Lobo. Sobre o jogo, a pouca torcida, o frio para valer e o visitante com suplentes seriam indicativos de um embate ruim. Mas o futebol voltou a demarcar uma de suas especialidades, ou seja, romper a lógica e assim o que ocorreu em campo foi muito bom. Que não se fale em qualidades técnicas dos atletas, mas se as chances de gol foram sendo empilhadas, especialmente pelo Pelotas – em uma destas o goleiro Rafael fez monumental defesa – e o Zequinha encontrou seus dois gols em conclusões bem feitas de Rodrigo (cabeçada depois de cobrança de escanteio, aos 34 minutos) e Pedro (chute forte da entrada da área depois do passe errado de um defensor do Pelotas na saída de bola), que não se fale em ruindade pois o futebol para ser bom tem de ser emocionante. Aos seus fãs é o que basta, a despeito da corneta crônica da imprensa quando o futebol se afasta da arte e o tal beautiful game (já volto: fui vomitar) não seja tão belo assim, se a questão é eminentemente estética. E a referida “pouca torcida” também foi visível. Seus personagens identificáveis. Ninguém entre os presentes precisou fazer algo especial, como ser o mais idiota, para se destacar na multidão. Entre os locais, suas duas pequenas bandas criaram barulho: nas arquibancadas, os Farrapos fizeram eco ao jeito platino de apoiar que se disseminou em Porto Alegre a partir do surgimento da incansável Alma Castelhana. Na social, os Guaiepecas incomodavam a arbitragem com ameaças que, óbvio, não saíram da verborragia agressiva, mas tornaram-se chatas com o passar dos minutos. Entre os visitantes, a maioria da Força Jovem, certos personagens invocaram as lendas do futebol interiorano. O embriagado que dormiu o jogo inteiro, o decano que gritou dezenas de vezes “filho da puuuuuuta” e o perseguidor do bandeirinha, que correu a beira do alambrado durante todo o primeiro tempo cobrando competência da arbitragem. Isso e mais os cânticos imparáveis, ritmados por uma percussão que por vezes se perdia na alcoolização. Em tempos de patética europeização, de projetos que não passam pelo desejo do torcedor, de uniformes que parecem criados por um estilista bichona que odeia o esporte, assistir a um jogo assim foi uma dose de verdade na mentira que se transformou o futebol brasileiro.