quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Club Gimnasia y Tiro x Club Atlético Famaillá

Entre faixas e bandeiras, a visão imprecisa da partida. Foto: Alessandro Bracht
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Jogo: Club Gimnasia y Tiro 1x1 Club Atlético Famaillá
Data: 24 de janeiro de 2010
Competição: Torneo Argentino B
Local: Estádio Gigante del Norte
Público: passou dos cinco mil
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A distância temporal entre a data da partida e sua crônica faz da sua descrição em si mesma um exercício desprovido de sentido. Mais de um mês se passou desde que o Gigante del Norte, casa do Gimnasia y Tiro, recebeu o match de um dos grupos regionais da quarta divisão do futebol argentino. Além disso, esse que vos escreve estava em um lugar do estádio em que pouco da partida podia se ver e com a consciência em estado alternativo pelas próprias alternativas que se ofereceram antes e durante o evento. Daquilo que enxerguei e recordo, o gol dos locais, muito bonito por sinal: um passe entre os volantes que chegou até o atacante Ariél Aragón. Ele cortou para a esquerda o último defensor e da entrada da área chutou reto e forte para não dar escolha ao goleiro Gómez que não buscar a bola dentro da meta. O tento de empate, suponho, foi de cabeça, jogada estranha e assistida entre bandeiras, faixas e braços em movimento. Aldonate, do bico esquerdo da pequena área, deu de coco na bola. Esta encobriu o keeper Valdivieso, entrando no lado oposto da goleira. Mas reforço: talvez tenha sido assim... Como la pelota chegou a Aldonate, não sei. No mais, posso afirmar que o millonario teve outras boas chances e, assim sendo, não pode reclamar da sorte.
Portanto, vale aqui falar daquilo que realmente vi, ou seja, daqueles que não tem voz quando não se trata de perder a voz nas tribunas (eu já devo ter dito algo assim): os torcedores, ou hinchas, reunidos em sua banda ou barra, já que no presente caso está se levando em consideração a Argentina, terra de incansáveis apoiadores (e de muitos problemas também, vide casos recentes como a guerra entre facções rivais do Newell's Old Boys, da cidade de Rosário). Incansáveis e dignos de admiração, pois estar onde estive, mas estar sempre e em nome de uma equipe que navega na invisibilidade da quarta divisão é tarefa para fortes. O que faz pensar, acima de tudo, o que motiva alguém que se diz torcedor ir ao estádio, um lar para muitos, com a sanha de vaiar? Torcedores de times da Série A de um futebol celebrado mundo afora, que deveriam agradecer aos deuses do futebol pelo que tem, amam vaiar e julgam que o que fazem é exemplo a ser seguido por todos. Admito, como torcedor praticante, que os devotados mereceriam ter seus apelos escutados em questões pontuais como a escolha do modelo da camiseta, construção de um novo estádio e outros quetais, representativos, enfim, da imagem do clube perante o mundo que o cerca. Mas qual o efeito da vaia, especialmente quando ocorre durante o jogo e é, por exemplo, dirigida a um jogador específico? Piorar algo já ruim. Reforço o que escrevi em outra ocasião: vaia só se justifica quando há má vontade daqueles que estão em campo.
Lembrando dos hinchas do GyT e sua devoção desesperançada, que tem como maior glória ser o único time da cidade a ter frequentado a divisão principal do futebol argentino por uma temporada (Apertura 1997 e Clausura 1998) antes de sucessivos rebaixamentos, mais do que nunca passei a desprezar os protagonistas da vaia - a própria palavra já soa repulsiva. Reconheço que estar na cancha, naquela tarde calorenta de janeiro, foi umas das grandes experiências futebolísticas da minha existência, mas viver sem esperança, sem projetar a possibilidade de colocar os pés em uma competição de relevo não é algo que se deseja ter para sempre. Mas deveria ser esse o destino daqueles que vaiam incansavelmente: uma espécie de campo de trabalho forçado onde os condenados seriam obrigados a torcer por clube que só leva laço. Uma vez livres após algumas temporadas, eles teriam se transformado em fiéis torcedores, arrependidos de seus pecados. Claro que esse seria um caso de condicionamento, e não de amor incondicional. Isso não se aprende à força. Ao final do jogo, para tomar um exemplo real, o hincha-guia, jovem torcedor apaixonado que poderia estar em frente a TV assistindo a Premier League e dizendo-se torcedor do Man Utd, e que me conduziu ao meio da banda com muita educação e informação, estava naturalmente desiludido com o empate. "Empezamos mal", dizia ele repetidas vezes. Antes da despedida, pediu que eu esperasse um pouco pois ele ia ao WC. Foi barrado por policiais loucos pela cancha finalmente vazia e por um resto de domingo. "Fui expulso da minha própria casa", foram suas palavras antes de tomarmos rumos distintos. Mesmo assim, maltratado, ele e tantos outros estariam lá no próximo jogo, como sempre. E sem vaiar. Pois de nada adianta. Pois isso é saber amar.

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