segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Jagiellonia Białystok SSA x Aris Thessaloniki F.C.

Da esquerda para a direita: Toni Calvo converte a penalidade máxima; o autor do gol desaparece entre as saudações de seus companheiros; Na Polônia, o árbitro realiza um ato de 'solidariedade' (infame essa!); Hector Cúper ensaia alguns passos da cumbia; o jogador do Jagiellonia esconde o rosto atrás daquela que o tortura; em homenagem as seguidoras, torcedores gregos desnudos e suados no verão polonês. Fotos: Alessandro Bracht

Jogo: Jagiellonia Białystok SSA 1x2 Aris Thessaloniki F.C.
Data: 29 de julho de 2010
Competição: UEFA Europa League
Local: Hetman Stadium
Público: bom e entusiamado

Quando Michel Platini assumiu a presidência da Union of European Football Associations (UEFA) em 2007, derrotando o candidato da situação Lennart Johansson – o sueco que reinava desde 1990 – forjava-se a promessa de novos tempos no futebol europeu. Clubes que não pagassem suas dívidas, não importando seu tamanho, estariam alijados das competições européias, a importação de jogadores seria limitada em nome da formação de talentos locais, o monitoramento das apostas que não raro determinam resultados de partidas antes das mesmas acontecerem seriam rigorosas, os países periféricos no futebol receberiam maiores oportunidades nos torneios continentais. Passados três anos, a despeito de algumas boas surpresas como um certo funcionamento na repressão à manipulação de resultados e decisão de realizar as finais da Euro 2012 na Polônia e na Ucrânia, o estado de coisas não mudou muito. Poderia se dizer que as três primeiras colocadas na Copa do Mundo foram seleções européias e isso indica que os jogadores locais estão com maior espaço, mas o vexame de três das maiores nações importadoras serve de réplica direta a essa premissa otimista. França e Itália, duas seleções envelhecidas e sem perspectiva de renovação em curto prazo, ficaram incontestavelmente presas à fase de grupos. Chegaram na Copa da África mais pela ruindade dos adversários e por um erro crasso de arbitragem, no caso francês. A Inglaterra, representante do país com aquele que é considerado o melhor campeonato “nacional” de todo o mundo, reúne grandes jogadores sem formar um time, mas os principais clubes são legiões excessivamente estrangeiras. Não é raro o comentário em jogos do Arsenal que não há sequer um jogador inglês entre seus onze titulares. A isso soma-se o fato que alguns dos maiores clubes ingleses não pertencem a ingleses, mas a proprietários estrangeiros, que se lixam para os problemas internos. Perante esse perigo, a UEFA também é impotente pois está rendida à legislação de cada país. O melhor que a entidade pode fazer então é organizar as competições continentais e, discurso eminentente platinista, torná-las espaço de oportunidade para todos. A UEFA Europa League, o torneio secundário – UEFA Champions League é a celebridade – procura representar essa idéia de participação irrestrita. Assim como a Champions League, ela oferece vagas diretas aos países mais bem ‘rankeados’ (posição diretamenta atrelada a riqueza de cada um com um leve toque de mérito) e proporciona à periferia a disputa por vagas através de fases eliminatórias, o chamado qualifying. Sintoma de igualdade? Na prática, não. Pois como diria o militante de esquerda que perdeu o trem, abrir a participação de todos não reduz as desigualdades se as condições de reprodução da riqueza não forem verdadeiramente transformadas. É o que transparece no jogo do qual finalmente se falará, pela terceira fasse classificatória para a etapa de grupos da Europa League. Uma boa partida, se vista isoladamente do contexto maior, mas também uma partida que provavelmente não levará ninguém a lugares muito diferentes. Ao time local, o polonês Jagiellonia, a derrota em casa, selada com sete minutos, apenas a participação em si mesma. Ao scretch grego do Aris F.C., a chegada a fase de grupos não parece impossível – o técnico argentino Hector Cúper no banco indica alguma capacidade de investimento. Mas deixando essa para trás, o provável confronto com um dos rebaixados da UCL (sim, para completar o ocaso dos menores, os terceiros colocados da primeira fase da Champions League ganham vaga na Europa League) tem tudo para ser o definidor da eliminação. E isso não é exercício de futurologia; é somente a expressão do óbvio.
Mas já que, como dito anteriormente, é possível isolar o evento do seu contexto amplo, vale descrever um pouco mais daquilo que foi o jogo, uma vez que apesar da impressão inicial de um possível goleada dos visitantes sobre os locais, a vontade dos derrotados em reverter a situação perante uma torcida participativa promoveu emoções e o consequente festival de ruídos e gestos tipicamente futebolísticos – se você frequenta o estádio sabe do que falo. Ela apenas não foi o bastante porque em um jogo de poucos talentos individuais, aquele que tem sua virtude mais desenvolvida pode reinar. Entre os gregos, o espanhol Toni Calvo, não faz muito uma promessa entre os jogadores da base do Barcelona, cumpriu essa função. Marcou de pênalti aos quatro minutos, após Daniel Cesarec ser derrubado de forma nada discreta, e aos sete, quando correu por trás da zaga e, caindo, aparou um cruzamento vindo da lado direito, quase na pequena área. O keeper Sandomierski participou de forma meramente estética, pulando no mesmo lugar de braços e pernas abertos enquanto a bola seguia rasteira para as redes. Beirou o ridículo naquele instante e depois seguiu dando demonstrações claras de despreparo para sua missão. Então o descaso do Aris veio a tona em um jogo que parecia resolvido e o Jagiellonia resolveu acreditar no imponderável. Aos 23 minutos, numa jogada de gente grande, Frankowski lançou Kamil Grosicki, o melhor atleta polonês em campo, de habilidade invejável para os padrões locais. Este cruzou rasteiro da ponta direita para o meio da área. Rafal Grzyb, chega decidido, chuta forte e vence o goleiro Michalis Sifakis, até então figura praticamente decorativa não fossem alguns cruzamentos aparados e as cobranças de tiro de meta. Mudou quase tudo. O fleumático Cúper passou a gesticular e gritar. Michal Probierz, o abatido treinador polônes não mais abandonou a área técnica entre instruções e lamentações a medida que o tempo passava e as chances criadas eram desperdiçadas. A torcida inquieta mesmo no pior momento inflamou-se. Grosicki, depois do primeiro acerto (aquele do gol), foi tomado pela empolgação e lutou ainda mais. Ocorre que, além do gol, não houve mais jogadas em que todos acertassem ao mesmo tempo. Quando Fulanowki acertava, Cricranowicz errava e vice-versa. O bom passe virava um mal chute ou o primeiro bom passe tornava-se um segundo de lamentar. Havia inclusive um Lato pelo Jagiellonia - alguém lembra do original? O jogador com sobrenome de craque deixou o campo substituído e de cabeça baixa aos 60 minutos. E o tempo acabou e as suspeitas de que os dois tentos de Calvo teriam decidido o jogo acabaram confirmadas. E assim o torneio para todos vai se tornando o torneio para quase todos até confirmar-se como mais um torneio para os mesmos de sempre. A distribuição de vagas sem distribuição de renda está longe de resolver as contradições do futebol europeu.