terça-feira, 12 de outubro de 2010

Club Atlético San Lorenzo de Almagro x Club Estudiantes de La Plata

Chica mirando al sudeste em um domingo melancólico para os locais. Foto: Alessandro Bracht (na hora certa!)

Jogo: Club Atlético San Lorenzo de Almagro 0x1 Club Estudiantes de La Plata
Data: 03 de outubro de 2010
Competição: Torneo Apertura AFA Primera A 2010
Local: Estádio Pedro Bidegaín (El Nuevo Gasometro)
Público: o permitido pelas autoridades

Da nona rodada do Apertura 2010, este era o confronto mais importante. Mandante da partida, o San Lorenzo estava a quatro pontos de seu adversário naquela tarde e pleiteava uma vitória que o colocaria no encalço do líder, o próprio Estudiantes, por sinal. Jogo de grande público, entradas praticamente esgotadas – horas antes do confronto restavam apenas as caríssimas plateas, ao custo de 110 pesos argentinos – e todos os olhares voltados para um match que valia muito. Os originais de plantão o chamariam de jogo de seis pontos. Mas tratava-se de um partido sudamericano. E por mais que se tente alçá-lo a uma condição de grandiosidade, em seu entorno sempre haverá algo de futebol terceiro-mundista, termo esse em desuso graças aos eufemismos criados pelos mandatários econômicos do mundo pós-Guerra Fria para amenizar (ou maquiar) a condição de miséria e subserviência permanente da América Latina. Para o caso da partida em questão, a contradição principia no próprio local da partida. O estádio Nuevo Gasometro é o mais jovem da grande Buenos Aires. Sua beleza interior impressiona. É confortável também. Mas localiza-se em frente a uma favela – menos favela que as brasileiras, pois feita de casebres de alvenaria sem pintura – do bairro Flores, tomada de imigrantes bolivianos e peruanos em geral. Ou seja, quem vê a cancha todos os dias nunca pode adentrá-la. Na calçada que dá acesso às bilheterias e aos portões, crianças com fenótipo indígena e camisetas puídas do San Lorenzo jogam futebol entre quantidades infinitas de lixo. Do outro lado da rua, em frente às moradias, seus pais assistem à multidão passando. A calle, que não lembro o nome, representa a divisão social. Os incluídos, que marcham para os portões de entrada, e os excluídos, que assistem com seus olhares passivos e cabisbaixos, aqueles que remetem à dignidade autóctone há muito perdida. Dentro do estádio, apesar da intensidade das torcidas, havia também algo de tristeza. Entre a parte destinada a hinchada visitante e o espaço maior pertencente aos cuervos, aproximadamente dez mil lugares vazios, justificados por razões de segurança, já que na sexta rodada do torneo torcedores do San Lorenzo e do Vélez Sarsfield entraram em choque entre si e depois, claro, com a polícia. Como adoram brigar as barras da Argentina. Não há campanha pública ou ação policial que dê fim a essa tradição.
Resta falar do jogo, e dele há realmente bem pouco para falar. Contrariando expectativas, não houve paridade e tampouco a equipe local deu sinais de que poderia ganhar. Nos primeiros 20 minutos, domínio completo dos de La Plata. Três chances cristalinas; duas pararam nas mãos competentes do arqueiro Pablo Migliore. A outra, uma surpreendente furada do matador Gastón Fernandez, em cruzamento que chegou a beira da pequena área, foi para a linha de fundo. Mas ‘La Gata’ voltaria a cena para marcar um gol daqueles. Aos 26 minutos ele recebe um passe pelo alto, entre os zagueiros. Mata a pelota com o pé direto, coloca-a no chão, puxa com a sola do mesmo pé, deixa um zagueiro e o goleiro no chão e marca de pé esquerdo. A bola entra rasteira e cruel na meta de Migliore. Fernandez comemora discretamente em frente a sua torcida. Ele já vestiu a camiseta do San Lorenzo, foi campeão nacional em 2007 e, assim sendo, é respeitoso com aqueles que um dia gritaram seu nome. Há comentaristas brasileiros que dizem que não comemorar efusivamente um gol contra o ex-clube é palhaçada. Eu acho digno. Ao ser substituído por Maximiliano Nuñez, nos 66 minutos, foi aplaudido pelos locais e retribuiu. O mesmo não aconteceu com o goleiro Augustín Orión, também ex-San Lorenzo, vaiado efusivamente ao entrar e sair de campo, marcado que é por uma falha na Taça Libertadores da América em 2008. Mas enfim, feito o gol, a partida poderia ter encerrado, pois praticamente nada mais aconteceu. O Estudiantes porque preferia que nada acontecesse, o San Lorenzo porque não conseguia fazer acontecer. Suas únicas jogadas eram os lançamentos pelo alto e cruzamentos do bico da área em busca do centroavante uruguaio Sebastián Balsas, quase dois metros de altura. Pouquíssima habilidade com os pés e nenhuma efetividade com a cabeça. Deu em nada, claro.
Dito quase tudo que havia para se dizer, pois de poucas coisas foi a partida, faltam duas notícias: em primeiro, a despeito de, na aparência, ser o melhor, por tudo estava em questão, esse foi o pior jogo de todos que cobri. E olhem que já estive na quinta divisão da Inglaterra e nas quartas divisões da Itália e da Argentina. Realmente um match muito chato. Em segundo, deixo meus sinceros e essenciais agradecimentos ao policial sem nome. Este cidadão, que obrigação nenhuma tinha comigo, me acompanhou até um local seguro (nenhum táxi parava, a noite chegando e eu sozinho na favela), desde onde tomei um ônibus para o centro da cidade de Buenos Aires. Não fosse ele, talvez não estivesse escrevendo esse post agora. Grande pessoa! Depois do panelaço de 2001, os bonairenses tornaram-se gentis de fato. Dale!

Nenhum comentário:

Postar um comentário