sábado, 28 de fevereiro de 2009

Oxford United FC x Torquay United FC

Da esquerda para direita: torcedores do Oxford em agonia; Chris Wilder, técnico do Oxford, não esconde seu desespero; A minoria ruidosa do Torquay United celebra a inesperada vitória; O primeiro gol de Elliot Benyon prestes a acontecer; Benyon marca o segundo gol do Torquay; Prêmio aos vitoriosos: uma entrevista com a reporter loireca da Setanta. Fotos: Alessandro Bracht


Jogo: Oxford United FC 0 x 2 Torquay United FC
Data: 28 de fevereiro de 2009
Competição: Blue Square Premier (Conference)
Local: Kassam Stadium
Público: 5837

Blue Square Premier. Nome inspirador para um campeonato de futebol que ocorre nas fronteiras do país que hoje abriga o mais celebrado/celebrizado campeonato do mundo: a Inglaterra. Mas não confunda. A primeira divisão da ilha é a Barclays Premier League. Àquela da qual fala esse match report é tão somente a quinta divisão (uma das divisões non-league) do território que detém as maiores torcidas de plástico do momento. Entretanto, na Blue Square circulam equipes que um dia desfrutaram de posições bem mais nobres. O Oxford United, equipe da casa nessa partida, há aproximadamente 20 anos vencera uma Copa da Liga e estava na primeira divisão, mesmo que esta não fosse nem de longe o que é hoje. Eram os tempos dos longos lançamentos em direção à área adversária, dos campos barrentos, das arquibancadas duras, da cerveja nos pubs das redondezas e de liberdade para os hooligans. “Good times, heavy times” (?).
Se podem ser consideradas vantagens, os clubes excluídos das ligas não estão obrigados a ter estádios cobertos de assentos, os pubs em um raio de sei lá quantas dezenas de quilômetros não precisaram ser fechados e os ingressos são baratos. O Oxford Utd, sustentado por um insustentável passado glorioso, contraria em parte essa lógica. Seu novo palco, inaugurado em 2001, o Kassam Stadium, é distante do centro da cidade – segundo o jornalista Josh Widdicombe, da revista britânica When Saturday Comes, chegar lá em transporte coletivo é missão quase impossível –, dos pubs e, além disso, seus três pavilhões são todos cobertos por assentos, 12500 mais precisamente. A liberdade oferecida não é aproveitada e essa proximidade artificial com as ligas de nada adianta. O público presente é cada vez mais escasso na medida em que o time permanece, pela terceira temporada consecutiva, na quinta divisão.
Mas, além disso, existe o futebol em si mesmo. E o jogo entre Oxford e Torquay foi muito interessante, especialmente em relação aquilo que se pode esperar de um embate entre times de quinta divisão. Contrariando a sabedoria de Dunga, anão em conhecimento sobre o futebol atual, que afirmou existirem apenas quatro clubes – aqueles que você conhece da televisão – que jogam com a bola no gramado, cabendo aos demais o destalento do futebol de longas bolas áreas (aquele lá, anteriormente citado, que perdurou até o final dos anos 1980), a partida é marcada por uma boa quantidade de passes rasteiros e precisos e, claro, um número grande de equívocos que, se cometidos por um atleta de final de semana, geram críticas ferozes. Mas para quem assiste sem envolvimento emocional profundo, tais ações podem arrancar boas risadas e conferir graça à partida.
O primeiro tempo foi razoável em emoções. O Oxford pressionou nos vinte minutos iniciais, mas a expulsão de Craig Nelthorpe aos 31 minutos arrefeceu o ímpeto da equipe local sem despertar algum impulso maior entre os visitantes. O cartão vermelho soou exagerado para a torcida local. Comentaristas brasileiros diriam que a expulsão foi justa. Os ingleses diriam que isso é coisa de boiola. Estou com eles!
No segundo tempo o jogo ficou trancado no meio de campo, com muitas faltas e passes equivocados, especialmente por parte da reduzida esquadra do Oxford United. O Torquay parecia estar satisfeito e não havia nenhuma promessa de que algo poderia mudar. Mas eis que o imponderável aconteceu. O Torquay se viu com dez jogadores a partir da estranha expulsão de Roscoe D’Sane aos 59 minutos, acusado de agredir Luke Foster quando ambos estavam deitados e após uma perigosa carrinhada do último. “Agora vai” foi o pensamento revelado pela excitação que tomou conta dos pouco menos de 5837 apoiadores do Oxford (desconte uns 100 torcedores visitantes), o maior público da temporada. E foi. Para o buraco. Bastaram mais 10 minutos de jogo para que Elliot Benyon marcasse duas vezes para o Torquay. O primeiro, aos 65 minutos, de cabeça, na pequena área, após dois rebotes, um da trave e outro de uma magnífica defesa do goleiro Bill Turley (daquelas que, não fosse o gol, estaria na lista de melhores do final de semana), e o segundo em um lançamento horroroso do mesmo Turley nos pés do talentoso (pelo menos nessa tarde/noite) Benyon, que avançou e chutou no canto esquerdo. A partir daí o Oxford tentou uma pressão, mas as conclusões de média e longa distância, além dos cruzamentos da intermediária, não trouxeram maiores dificuldades ao arqueiro do Torquay. Ao final, abraços entre os vencedores e aplausos para os poucos visitantes nas poltronas do estádio Kassam, além de um quinto lugar que os coloca na zona de playoffs. Sem pubs no entorno do estádio, os torcedores do Oxford demorarão para esquecer o nono lugar e os seis pontos que o afastam da disputa por um lugar na chamada League Two. Verdadeira maldição para aqueles que, mesmo sem reparar, amam o futebol justamente porque ele é uma fonte de esquecimento primordial.



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Rumo à terra de ninguém

A discussão em torno da questão do centro e da periferia pode ser retomada através do futebol. Nesse ambiente também uma e outra existem e, como em outros casos, elas se opõem e se mantém através de uma relação de dependência. A periferia do futebol abastece o centro, enquanto este, ainda que de forma minimamente ética, garante a sobrevivência da periferia. Esta relação inevitável tem sua manifestação mais óbvia na constante transferência dos melhores jogadores da periferia para o centro, o que garante a permanência de ambos, mas, ao que parece, pouco a pouco vai exaurindo à morte a periferia. Não que a exportação dos melhores produtos latino-americanos e africanos se encerrará em um dado momento pela falta de geração de novos talentos na periferia. Não se trata disso.
O que ocorre é que, por conta do êxodo dos principais talentos, a exportação está ocorrendo também entre os fãs. Não que eles sejam capazes de deixar seus países de origem para torcer por Milan, Chelsea, Barcelona ou Real Madrid. Mas, desde a periferia, tais fãs, construídos as expensas da pobreza futebolística de suas pátrias, tornaram-se vorazes consumidores dos produtos do centro: entre transmissões esportivas, camisetas e outros artigos, os “torcedores” da periferia criam um vínculo tão frágil quanto artificial, que gera aberrações tais como as declarações de amor de brasileiros – habitantes da maior das periferias – a clubes europeus.
Dias desses, mais precisamente em 17 de janeiro, jogavam Chelsea e Stoke City, com transmissão brasilis. Faltando três minutos para o fim do tempo regulamentar e com 0x1 no placar o Chelsea empataria. Instantes depois, o locutor do jogo anunciou uma mensagem eletrônica de um brasileiro, “torcedor fanático” do Chelsea, declarando que iria chorar se o “seu” clube virasse o jogo, o que de fato aconteceu. Chorar por quê? A partir de que referência ele construiu esse vínculo com o Chelsea? Assistindo na tela a um clube que possivelmente ele nunca viu nem nunca verá ao vivo e que ele certamente conheceu há poucos anos, a partir da reestruturação do clube com dinheiro ilegal, roubado de um povo que, de um dia para outro se viu abandonado pelo Estado e, condenado a pobreza, assistiu a divisão do espólio estatal entre mafiosos do falido regime soviético.
Enquanto isso, em nome de saciar a sede pela vitória que se restringe a um grupo cada vez mais reduzido de clubes, instituições futebolísticas menores (em poder, vale ressaltar) vão definhando, abandonados por aqueles que por diversas desrazões deveriam ser seus torcedores, esquecidas em um universo paralelo, a terra de ninguém do futebol. Uma terra que se torna muitas e só não escapa ao olhar cuidadoso dos preadores institucionalizados (mais conhecidos como agentes FIFA) e de alguns fãs tratados como insanos apenas porque ainda buscam a essência do futebol, que está acima da facilidades de escolher como “clube do coração” aquele que tem mais visibilidade por conta dos títulos conquistados em determinado momento. Conheçam, pois, torcedores de ocasião, a terra de ninguém. Eu lhes guiarei pelo caminho da verdade do futebol. Aos que já a conhecem, desfrutem da renovação desse prazer.

Futebol na terra de ninguém

Futebol na terra de ninguém é o blog da mais improváveis coberturas esportivas. A partir de um olhar altruísta e devotado ao otimismo, levarei ao leitor (se algum existir) uma pequena parte daquilo que acontece em lugares onde o futebol, contra todas as probabilidades, insiste em existir.