terça-feira, 20 de julho de 2010

NK CM Celje x NK Domzale

Da esquerda para a direita: o chute para o alto e avante, uma das marcas do primeiro tempo; as artes marcias recebem seu espaço ao longo da partida; o 1% mais interessante da torcida concentrada no mesmo setor da Arena Petrol; Juninho e a obsessão brasileira em exibir a bunda; a Jabulani encontra as redes no gol de Smukavec; o autor do gol parte para a celebração. Fotos: Alessandro Bracht

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Jogo: NK CM Celje 0x1 NK Domzale
Data: 17 de julho de 2010
Competição: Pvra Liga Telekom Slovenije
Local: Arena Petrol
Público: em torno de 400

De todas as repúblicas que se formaram a partir da dissolução da Iugoslávia entre o começo e a metade dos anos 1990, a Eslovênia foi aquela que menos sofreu com as guerras de limpeza étnica que levaram milhares de eslavos do sul para a morte. A razão objetiva para ela ter escapado com mínimas feridas se concentra no fato de que seu afastamento geográfico da Sérvia a protegeu. O mais ocidental dos territórios iugoslavos sangrou pouco pois seu contingente populacional sérvio era insignificante. Para o criminoso vestido de presidente Slobodan Milosevic não havia a quem salvar, ainda que economicamente a Eslovênia tivesse alguma importância, já que, à época, representava 20 por cento do Produto Interno Bruto e um terço das exportações, além de fazer fronteira direta com a Europa Ocidental, já que vizinha da Itália e da Áustria. Mas para saber em letras e tintas porque o Rio Drina ficou vermelho-sangue, proponho as obras de Joe Sacco – Área de Segurança Gorazde e Uma história de Sarajevo - recomendações já feitas em post de outubro de 2009. Ele, mais que ninguém, contará com realismo essa triste saga de guerra e barbárie. Depois dele, somos autorizados a assistir livre de dúvidas históricas os filmes de Emir Kusturica.
Falando no bósnio Kusturica, fã incondicional de futebol e do Maradona, os efeitos da dissolução da Eslávia do Sul recaíram também sobre o futebol. Além da criação de campeonatos nacionais de apelo popular mínimo, do esvaziamento dadas as exportações dos principais talentos locais, do universo das apostas ilegais interferindo nos resultados, da repetição dos clubes que conquistam suas respectivas ligas, o mundo do futebol perdeu uma das mais talentosas seleções nacionais até então conhecidas. Mesmo sem conquistas, a equipe da camisa azul e da estrela vermelha, minha seleção de preferência na infância, deixou um rastro de beleza, hoje apagado por representar um passado que os iugoslavos procuram negar. Tempo ao tempo. A terra de todos os culpados ainda mira suas cicatrizes e seus prédios marcados a fogo.
Sem as marcas profundas que ainda afetam sérvios, bósnios, croatas e kosovares, a Eslovênia se iguala em males futebolísticos aos seus vizinhos. Dos problemas elencados acima, não tenho provas sobre as apostas. Mas os demais estão lá para serem olhados. E quem entra em campo ou vai a campo, ao menos pelo visto no match entre Celije e Domazale, parece tocado por essa atmosfera de pouca motivação. Mesmo levando em consideração a platéia pequena, o silêncio nos assentos da Arena Petrol surpreendeu. E a apatia dos jogadores no primeiro tempo, quebrada apenas por alguns arroubos de violência – jogo morno com artes marciais é uma combinação atípica – deixava claro que o entusiasmo como legado da participação da Eslovênia na Copa do Mundo 2010 não se cumprirá, como, aliás, não se cumpre em lugar algum.
Ainda sobre a etapa inicial, as coisas poderiam ter resultado diferentes se Juninho, brasileiro nascido em Arapongas (SC), tivesse sido mais econômico. Apenas com o goleiro Mujcinovic a lhe fazer frente, pouco antes da entrada da grande área tentou colocar por cobertura com os dois cantos disponíveis. Errou o alvo e evitou que o Domzale saísse na frente logo no começo do jogo. Tentou fazer um lindo gol ao esquecer que, se tivesse condições para tanto, ele provavelmente não estaria jogando na Eslovênia. A manutenção do 0x0 nos 45 minutos iniciais teve ainda as mãos do keeper Brljak como responsáveis. Ele foi autor da melhor defesa da partida, já nos instantes finais, após um chute forte a meio metro da pequena área, de primeira, resultante de um cruzamento de não sei quem para não sei quem. Tão impressionante foi a referida defesa quanta a qualidade das informações dadas para descrever os demais participantes da jogada.Veio o segundo tempo e com ele doses de emoção forjadas no desejo de ganhar da equipe local. Ainda que o estado da torcida permanecesse idêntico, lembrando a ruidosidade dos fãs de tênis, os jogadores honraram o esporte que escolheram praticar e através do qual sobreviver. Aí faltou melhor pontaria e menos dedicação de Brljak (e a bola era uma Jabulani!), novamente responsável em duas ocasiões pela virgindade da rede. Somadas as chances, o NK Celije poderia ter resolvido o jogo antes da metade do segundo tempo. Seguiram-se alguns minutos de apatia até os visitantes se tocarem que lhes era permitido agredir também. Dos 75 minutos em diante o NK Domzale se botou no ataque. Após três situações claras, incluindo uma cabeçada de Vidovic, que passou a micrômetros da trave, e mais alguns cruzamentos errados, veio o acerto. Da esquerda, Dalibor Teinovic centrou rasteiro para o jovem reserva Jernej Smukavec chutar de dentro da área, alto e com força, mas finalmente na direção certa (observem que desta vez eu prestei atenção aos nomes dos participantes da jogada). E aqui nem se pode recorrer ao jargão do gol que calou a torcida local. Assim, aos 87 minutos o placar estava definido. Algumas bolas lançadas à área pelo Celije foram o último recurso, mas nada demais aconteceu. Nada demais. Seguindo a proposta do post anterior, deixo essa como dica de slogan para a Pvra Liga Telekom Slovenije.

Mea culpa

A ameaçadora publicidade da Kulula Airlines

Admito sem reparos, pois não sou de ficar culpando os outros. Entreguei-me à Copa do Mundo FIFA. Deixei meu grito irredentista esmorecer, permiti que minha voz (que talvez não chegue a ninguém, mas e daí?) se calasse perante uma competição que é pouco mais do que a expressão de um mundo corrompido, ao qual não quero pertencer. Uma competição da FIFA. A FIFA que ordenou a detenção de um grupo de holandesas deliciosas sob a alegação de que elas faziam publicidade ilegal no entorno e dentro do estádio, que nem lembro qual era. Talvez o Sucker City. A FIFA que conseguiu através de seu poder retirar de cena a publicidade da empresa aérea sul-africana Kulula – reproduzida acima - sob o argumento de que havia "benefício promocional pela criação de uma associação não autorizada com a Copa do Mundo FIFA" apenas porque ela se afirmava como “o transporte não-oficial você sabe do quê”. A FIFA que proibia que os pobres africanos vendessem suas bandeiras e vuvuzelas nas proximidades dos estádios, caso não fossem produtos autorizados pela própria – inacessível aos pobres, claro. Uma simples camiseta com a inscrição 2010 e nada mais podia ser apreendida como produto ilegal. Pubs estavam terminantemente proibidos de anunciar a transmissão dos jogos, ainda que tenham pago para isso. Se houvesse o uso combinado da bandeira da África do Sul com uma bola ou com a vuvuzela fosse onde ou em que fosse, pronto, também não podia. Como disse o secretário-geral da FIFA, Jermone Valke, “uma estádio é um perímetro da FIFA (...) Dentro desse perímetro existem pessoas que tem direitos e pessoas que não tem direitos”. E eu, preguiçosamente, me calei. Deitei em berço esplêndido para ver jogo após jogo, transmissão após transmissão. E não há desculpa. O futebol não parou mundo afora. Na América do Sul, Peru e Equador tocaram suas competições nacionais; na Europa, aproveitando o verão, países de inverno gelado como Finlândia e Lituânia seguiram suas vidas. Para eles as coisas não mudam muito mesmo. Alijados da Copa do Mundo desde sempre, no caso europeu, e de raras participações no que tange aos sudamericanos – o Peru esteve em sua última Copa em 1982 enquanto o Equador participou de apenas uma (2006) –, não havia porque ficar sentado em frente a televisão mirando a vida dos outros. Tampouco o público dos estádios aumentou ou diminuiu nesses lugares por disputar espaço com a competição que, segundo a ESPN Brasil, fazia com que nada mais importasse (de forma relativamente contraditória, já que seus jornalistas insistentemente não deixavam de denunciar aquilo que consideravam injusto em um país de tantas injustiças). Então, como expiar minha culpa? Voltando. Não há muito mais que eu possa fazer. Haverá futebol em países esquecidos pelo mundo do futebol de plástico. E eu estarei lá, no mais das vezes em espírito. Sempre. E haverá, claro, a sangria financeira resultante das obras para a próxima Copa do Mundo, que mais uma vez acontecerá em um país desprovido de condições reais para sediá-la, e que merecerá ser sempre denunciada. Aliás, recomendo que o slogan da próxima Copa do Mundo seja: “Welcome to the house of dolls”. Pois quando a brincadeira acabar, a casa ficará vazia.