quinta-feira, 18 de agosto de 2011

NK Olimpija Ljubljana x ND HIT Gorica

Da esquerda para a direita: as luzes do Stozice brilham mais do que os acontecimentos em campo; a avalanche dos ultras do Olimpija celebra a virada e logo a seguir se desfaz para o retorno da velha ordem; os ânimos esquentam e a ala dos pacifistas chega para evitar a confusão; o placar eletrônico anuncia o momento que muito presentes verdadeiramente esperavam. Fotos: Alessandro Bracht (grande bosta!)

Jogo: NK Olimpija Ljubljana 2x1 ND HIT Gorica
Data: 31 de julho de 2011
Competição: Prvaliga Sl (ou 1.SNL)
Local: Stadion Stožice
Público: em números redondos, 750 expectadores

Fila 13, assento 435, portões C19 ou C18-20. Eis os números (e letra) de meu primeiro jogo de lugares marcados. Na tentativa inicial de encontrar o portão de entrada, fui barrado. Aquele era o acesso dos ultras, dos barrabravas, dos hooligans eslovenos. Depois eu lamentaria não ter sido autorizado. Um pouco de diversão naquela noite de domingo não teria feito mal. Na segunda tentativa, sucesso. Meu ingresso me levava ao setor dos civilizados no novíssimo estádio Stožice:16.038 assentos, integrante de um complexo esportivo e cultural ultramoderno construído tendo em perspectiva eventos internacionais – especialmente aqueles que tem como protagonistas as seleções nacionais de futebol e basquete. Isso quem me disse foi Drago, o taxista mais comprometido e sereno da galáxia, do qual foi impossível duvidar. Tendo adentrado com 40 minutos de antecedência (uma eternidade para os padrões locais), ao som de uma versão eslovena de “Sweet Home Alabama”, pude observar do meu lugar marcado que, apesar do público pequeno, cada torcedor que entrava ia de encontro aos números que constavam na sua entrada. Eles olhavam para o ingresso e caminhavam lentamente, até se confrontarem com a grande descoberta. Longe de serem os únicos no Velho Mundo, os pedestres eslovenos não atravessam a rua caso o semáforo não esteja verde mesmo que seja madrugada e não exista a mínima perspectiva de um carro passar. Sendo assim, procurar pelo assento no estádio semivazio é parte da cultura local. E cultura, quando não há violência como parte integrante, merece ser respeitada. Eu não o fiz. Cercado de fumantes inveterados, troquei de assento para poder respirar – o verde que adorna Ljubljana por inteiro (até o rio Ljubljana é verde) não está na conta desses senhores – e para chegar ao bar com mais facilidade. Sim, na Eslovênia também se pode tomar uma boa cerveja enquanto o jogo acontece.
O time da casa é legalmente recente. A data oficial de sua fundação (2005), entretanto, não faz muita diferença para seus torcedores. O Olimpija Ljubljana de hoje nada mais é que o mesmo criado em 1911 e que quebrou e fechou as portas em 2004. Refundado com o nome de NK Bezigrad e realocado na quinta divisão (sinceramente, não consigo visualizar tal coisa), foi subindo temporada após temporada, até que em 2009 reconquistou seu posto na primeira liga e também seu nome original: Nogometni Klub Olimpija Ljubljana. O adversário da noite quente de domingo, o HIT Gorica, pode ser definido como um dos mais bem sucedidos clubes eslovenos desde a fundação da liga local em 1991: quatro títulos da Liga Eslovena, dois da Copa e um da Supercopa. Com tantos elementos incluídos, ainda que meramente locais, o jogo prometia ser bom. A atmosfera pouco ruidosa e o fato do jogo ser pela primeira rodada, impediram que a profecia se completasse. Mas futebol é sempre futebol. E o pior jogo de futebol é muito melhor que o melhor jogo de vôlei, de tênis ou de basquete. Tanto que, logo aos sete minutos, o bósnio Goran Galešić cobrou um falta da ala direita para o grandote Nejc Mevlja impor-se sobre a defesa e cabecear para as redes. Gol do Gorica. E gol do visitante no início do jogo normalmente provoca a reação indignada dos locais. E assim foi. Pois aos 12 minutos o Olimpija teve um pênalti muito legítimo marcado em seu favor. Mas Dare Vršič resolveu dificultar as coisas e cobrou para fora. A partir daí a modorra tomou conta. O Olimpija tocava a bola e progredia lentamente. Vez ou outra um cruzamento e nada além. Atrás da goleira, os Green Dragons cantavam incansavelmente. Mas os demais 700 e poucos presentes passaram do silêncio aos muxoxos. Vais aqui, xingamentos ali. Quem se aproveitava era Galešić, que resolveu dar uma de maestro do Gorica. Nada de muito produtivo, mas o bastante para reter a bola e enervar mais ainda a torcida. Entretanto, em meio ao desalento, aquele que havia perdido o pênalti encontra sua redenção ao desferir um chute potente de fora da área e fazer a bola chegar ao ângulo esquerdo do goleiro Vasja Simčič. Eram 43 minutos. O primeiro tempo havia sido salvo por aquele que quase botou tudo a perder. Para a etapa final, suponho que o treinador do Olimpja tenha instruído seus comandados a marcarem impiedosamente Galešić. Feito isso, o camisa 10 do Gorica mostrou-se um chiliquento de marca maior. Seu companheiro de time, o brasileiro Franklin e suas trança sacolejantes, mostrou-se fiel escudeiro. De aparição nula nos primeiros 45’, só fez se jogar na tentativa de angariar faltas no segundo tempo, no qual foi substituído por estrelismo crônico. Perante esses dados negativos dos visitantes, o Olimpija passou a cruzar e cruzar bolas altas para a área. Numa dessas, em cobrança de escanteio, o zagueiro Milan Anđelković aproveitou o rebote concedido por Simčič e enfiou a patada. 2x1. Ele corre em direção aos ultras, que promovem uma avalanche na escadaria entre os assentos do Stožice. Nesse instante, tive saudade da minha ‘casa’, prestes a ser demolida. Depois de virar o jogo, a equipe local recuou perigosamente e o Gorica teve chances de empatar em repetidas lambanças da defesa, que em duas ocasiões afastou a bola nos pés dos atacantes adversários quando a ideia inicial certamente era mandá-la para fora do estádio. Para o Olimpija, felizmente, a retribuição foi em conclusões erradas, ainda que perigosíssimas. Passados os três minutos de acréscimos, partida encerrada e aquela alegria eslovena nos assentos marcados. Ao retornar para o centro histórico de Ljubljana, com o cachecol do Olimpja exposto em busca de aprovação pública, tive que me contentar com a companhia de um par de cervejas pois ninguém parecia interessado em futebol (ou na minha pessoa, quem sabe...). Mas assim tem que ser: os verdadeiros heróis não podem esperar o reconhecimento.

sábado, 13 de agosto de 2011

NK Zagreb x NK Karlovac

Da esquerda para a direita: sem ansiedade ou pressa, a torcida local vai ocupando seus assentos; no cimento do lado oposto, os ultras do Karlovac fazem barulho; as bandeiras movimentam-se ao sabor da brisa do verão; o radialista sem cabine narra a partida entre os mortais; jogadores do Zagreb comemoram seu primeiro e suado tento; mais uma conclusão do Karlovac fica no quase. Fotos: Alessandro Bracht (com cerveja!)

Jogo: NK Zagreb 3x0 NK Karlovac
Data: 29 de julho de 2011
Competição: Prva HNL
Local: Stadion Kranjčevićeva
Público: Por volta de 1500 expectadores

“It will be lousy”. A definição das possibilidades de meu primeiro jogo em território europeu, dada pelo bartender de um dos tantos restobares da Old Town de Zagreb, foi motivante. E não se trata de ironia. Quando alguém me diz que um jogo de futebol tem tudo para ser péssimo, eu o desejo mais ainda. Excentricidade, mania de ser diferente – as acusações são sempre as mesmas. Em minha defesa, também o de sempre: acredito que o futebol da periferia é mais verdadeiro, não reúne fãs de ocasião, não navega ao sabor da moda – ontem Chelsea e Madrid, hoje Barcelona e Manchester United. É uma lógica simples, que divido com quase ninguém. Ao sair do hotel e pedir uma informação sobre a direção do estádio, as palavras de apoio seguiram, dessa vez do desiludido recepcionista. Ele afirmou que eu estava indo em busca de algo que não existe, ou seja, futebol na Croácia para além das duas equipes que se alternam na conquista da liga local: Hajduk Split e a NK Dinamo Zagreb (momentaneamente, nenhuma das equipes lidera o torneio, mas é apenas o começo).Óbvio que acusar as duas percepções sobre o jogo para o qual rumava de excessivas não seria justo. Por que então gostar tanto do vivido no confronto entre os ‘Poetas’ – apelido do Zagreb por conta de seu endereço, que leva o nome do poeta croata Silvije Strahimir Kranjčević – e o time da cidade vizinha de Karlovac? Para começar, pude ir caminhando até o estádio, algo que não fazia há quase dois anos. Esse pequeno e breve ato tem sabor de dias felizes que não voltam mais, mais certamente ainda a partir de 2013. Outro sabor de dias felizes que reexperimentei foi o de tomar cerveja nas dependências do estádio – prazer que me foi roubado há mais tempo ainda. De resto, ainda que não uma grande novidade para mim, interagir com os torcedores locais – um deles inclusive pedindo dicas a respeito de jogos brasileiros nos quais ele apostava –, a atmosfera razoavelmente barulhenta causada pela presença de torcedores visitantes e o futebol em si mesmo (mais a noite quente que demora a chegar no verão do velho mundo) explicam meu regozijo. De resto, apesar dos tempos bicudos, o futebol croata já revelou jogadores de expressão internacional como Davor Suker, Svonimir Boban, Robert Prosinečki, (estes da vitoriosa campanha na Copa do Mundo de 1998), Niko Kranjcar e Eduardo da Silva, brasileiro naturalizado croata e de boa passagem pelo Arsenal. Quem sabe eu não estava presenciando o despertar de um novo talento no próprio berço (digo isso lembrando de um clássico de Avellaneda ao qual estive presente em 2006 e que, para minha momentânea tristeza, teve como personagem principal Sergio Aguero)?
Os movimentos da partida lembraram aquilo que já vi em quantidades no meu próprio terreiro (se bem que depois de tanto futebol nessa vida, o que eu ainda não vi acontecer quando rola a pelota?), ou seja, a lógica de um jogo marcado pela paridade de domínio territorial e situações de gol seguido por um placar que representa apenas o fato de que, na hora de colocar a bola na rede, o time mais tradicional se impôs – os campeonatos estaduais no Brasil são exemplares nesse sentido. Dito isso, uma breve descrição dos gols marcados pelo NK Zagreb e de alguns dos muitos perdidos pelo NK Karlovac, para fechar a conta: aos 28, Nicola Frljužec invadiu a área pela direita e chutou forte, meia altura, cruzado. O esforçado keeper Igor Lovrić não fechou a porta como até então havia feito. O avante Frljužec ainda perderia de marcar novamente duas vezes ainda no primeiro tempo. Na etapa final, em seus primeiros 20 minutos, o Karlovac foi para frente e teve três boas chances, duas delas com o bósnio Edin Husic, misteriosamente na reserva de um time de tão pouco talento na hora de concluir. O mesmo pouco talento que fez Stjepan Kokot e Tomislav Ivičić perderem outras oportunidades de ouro, o primeiro com os pés e o segundo com a cabeça, quando na frente existia apenas no goleiro Igor Vidaković. Cansados de emoções fortes e do nervosismo da plateia, o Zagreb resolveu o jogo. Aos 73 minutos, em contraataque forjado após a zaga afastar cobrança de escanteio, Josip Jurendić cruza para área e Vedran Celišćak pega de voleio e marca um gol de fazer a noite de futebol valer mais ainda. Na comemoração, ele acena para seus familiares e chupa o dedo (eis o único elo que essencialmente encontrei entre este e qualquer jogo de um das grandes ligas mundo afora). Pouco mais tarde, aos 83’, o capitão Vedran Celišćak encerra os trabalhos ao receber passe dentro da área, domina e chutar rasteiro. A alegria dos locais está completa; os ultras do Karlovac, encerrados num espaço cercado do estádio, recolhem suas faixas. E eu corro em direção ao Medvedgrad para tomar a melhor cerveja artesanal e comer a melhor comida típica em minha última noite de Zagreb.

O jovem futebol balcânico em seu labirinto

Nas repúblicas egressas da extinta Iugoslávia, o futebol dá seus primeiros e trôpegos passos.

Além dos ressentimentos que restam, as repúblicas que um dia conformaram a extinta Iugoslávia penam também para reencontrar seus caminhos no universo futebolístico. Para além de algum sucesso através de suas seleções nacionais, internamente os problemas são aparentemente insolúveis. O maior deles, e que já não sei mais se é causa ou consequência, a falta de interesse popular. Mas sempre existirão os abnegados que mantém viva a chama do melhor e maior de todos os jogos. É sobre eles e para eles as duas postagens a seguir (em caso de leitura, claro, para você também).

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Não está sendo fácil...

Loud and clear: você que não paga para assistir um jogo que jamais assistiria se tivesse que pagar é um fora-da-lei

Andam complicadas as coisas para que Futebol na Terra de Ninguém renove-se mais constantemente. O simpático aviso que ilustra o presente post explica boa parte do problema. O domínio original do site Rojadirecta (extensão 'org') foi detonado e mesmo com sua migração para novos endereços (rojadirecta.es ou rojadirecta.me) está cada vez mais complicado assistir jogos através da internet, principal fonte de abastecimento desse que vos escreve. Não foram poucas as tentativas abortadas porque o sinal foi cortado em meio a partida graças a ilegalidade da operação. Une-se a isso o mal-caratismo do provedor Justin, que há pouco mais de um ano resolvou deixar seus princípios de lado e vender o sinal que deveras rouba. Esse merece el paredón! Faço o blog porque realmente gosto. É trabalhoso, demorado e não raramente irritante - mas daí é culpa de minhas inabilidades e de meu equipamento caquético de informática. Mas deixaria de fazer se fosse preciso pagar para tanto. Lembrem-se: eu não sou a Maria Bethania - algo que muito me alivia, ainda que tenhamos testas similares. Mas digamos que, na hipótese de ser contemplado com uma polpuda verba da Lei de Incentivo a Cultura (LIC), como eu manteria em dias as mensalidades do pay-per-view do campeonato argentino da terceira divisão, por exemplo? Talvez a AFA me enviasse um carnê (junto com uma ambulância e uma camisa de força). Bom, na verdade eu pegaria o dinheiro do contribuinte e torraria em viagens para ver o mesmo futebol que assisto pela rede mundo afora. Mas isso não vai acontecer. Em resumo, parece estar havendo uma inversão da lógica atual das coisas uma vez que a internet tornou-se opção para acessar produtos culturais gratuitamente. Eu sou um dos últimos compradores de discos desse mundo, reconheço. Mas não ajo assim porque considero sujeira baixar musica gratuitamente. É mera questão de gosto pessoal. Quanto a filmes, não compro. Baixo, quando não está disponível para locação. Mas não compraria caso não pudesse baixar. Os DVDs oficiais estarão no lugar de sempre, se depender de mim. Da mesma forma o futebol que trago através desse blog. Ele está aqui porque é possível. O esforço de assistir está combinado ao tempo que é preciso - algo como duas horas - e ao não ao seu valor de mercado. Até porque muitas vezes a transmissão é um lixo: imagem ruim, delays constantes... Sendo assim, bloquear o sinal de um jogo da seleção da Estônia vai ser simplesmente bloquear o sinal de um jogo. Nada além. Tal ação não terá efeito algum em termos financeiros. Ah, mas também tem jogos do Manchester United e do Barcelona disponíveis através do Rojadirecta e a rede é mundial! Sim, e eles passam em canais abertos para qualquer jacu assistir. Para isso, a ilegalidade torna-se mera impertinência desnecessária. Por ora, peço paciência aos meus incontáveis seguidores (incontáveis pois sei contar somente até 10) e mantenho a promessa de seguir na luta. Como diria a Kátia,"não está sendo fácil viver assim, você está grudado em mim". Se um dia não der mais, eu serei o primeiro a avisar.

VFL Osnabrück x SG Dynamo Dresden

Da direita para a esquerda: goleiro driblado e a certeza do gol; certeza que se esvai no esforço de Nickenig; o torcedor leva as mãos à cabeça, sinal vital de nervosismo; O abraço de Schahin no aliviado Koch é o último movimento da partida; em um final assim, a tristeza de um simboliza a de todos; alegria, cerveja e fumaça no verão da Saxônia. Fotos: Alessandro Bracht

Jogo: VFL Osnabrück 1x2 SG Dynamo Dresden
Data: 25 de maio de 2011
Competição: 2. Bundesliga Relegation
Local: Osnatel-Arena
Público: Lotou o estádio para 16.130 torcedores
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Se perguntado onde gostaria de estar em algum momento e lugar específicos da história, eu diria sem hesitar: nove de novembro de 1989, Berlim Ocidental. Se assim pudesse ser, aos 17 anos eu teria assistido a Queda do Muro. Teria visto o símbolo maior de uma era ser demolido a marretadas, picaretaços e chutes. Teria testemunhado encontros e reencontros emocionados. E visto os alemães até então orientais promoverem a explosão das vendas de discos dos Beatles (sempre eles...), Led Zeppelin (o IV, aquele da chatérrima Starway to Heaven) e Pink Floyd (The Wall, claro) em tempos de acid house, Stone Roses e, no caso específico da Alemanha Ocidental, possivelmente Die Ärzte. Entretanto, se me perguntassem se gostaria de estar lá nos anos imediatamente seguintes à queda, eu provavelmente diria ‘não’ (claro que se a outra opção fosse Canoas, a resposta poderia ser ‘talvez’). E se fosse torcedor devotado de algum time originário da RDA, certamente cravaria o xis no ‘não’. Pois da mesma forma que os egressos do regime estatal logo sentiram-se cidadãos alemães de segunda classe, atrasados tecnologicamente, politicamente, intelectualmente e esteticamente, os clubes de futebol da extinta Alemanha socialista miraram seus pares, construídos na riqueza da RFA e encararam um drama similar. Se o espião da polícia estatal (Stasi) tornou-se gari, que destino diferente em se fazendo um paralelo poderiam ter os clubes que dependiam do investimento estatal instantaneamente perdido? Aceitar o que estava por vir ou desaparecer – o que, no fim das contas, não resultou muito diferente, já que em 1991 a Deutscher Fußball-Bund (DFB ou Federação Alemã de Futebol) tragou a Deutscher Fussball Verband (DFV ou Associação Alemã de Futebol) e ofereceu duas vagas na nova primeira divisão da Alemanha unificada para clubes egressos da DFV – vale afirmar que na temporada recém terminada, nenhum clube do extinto lado oriental jogou a Bundesliga e desde a reunificação apenas três passaram por lá. Os contemplados de ‘91 foram Hansa Rostock, campeão da última temporada no lado leste, e o Dynamo Dresden, o clube da Stasi e oito vezes ‘insuspeito’ campeão da RDA. Resultado imediato: queda do Hansa na sua primeira temporada de Bundesliga e resistência claudicante do Dynamo por cinco anos, encerrada com a queda para a segunda divisão na temporada 1995/96. O clube, porém, nem chegou a colocar os pés na 2. Bundesliga. Por conta de dívidas que ultrapassavam os DM 10 milhões, encontrou sítio em uma das terceiras divisões regionais da época. De lá para cá, a melhor notícia para o Dynamo foi uma nova reforma no futebol alemão, que criou uma terceira divisão para a temporada 2008/09, a 3. Liga.
O jogo aqui em questão, depois de tanto dito, tem sabor de história para o Dynamo Dresden. Desde a queda livre da metade dos anos 1990, o clube não enxergava tão viva chance de tocar a terra depois de tantas temporadas no inferno. Terceiro colocado na 3. Liga, atrás dos dois clubes que conquistaram vagas para a segunda divisão diretamente, conseguiria chegar pela primeira vez a 2. Bundesliga em substituição ao seu adversário da vez, o antepenúltimo e VFL Osnabrück em dois confrontos. Com tanto a se ganhar e perder num par de confrontos, o nervosismo foi inevitável na Saxônia. A primeira partida, com mando do Dynamo, encerrou empatada em 1x1. A aparente vantagem do Osnabrück teria que ser afirmada no segundo jogo. Significativamente presentes no estádio, minoria barulhenta, os torcedores visitantes não deixaram o Dynamo desvalido. Em parte, o fator local não parecia ter tanto peso. Tratava-se de uma torcida de fanáticos contra a maioria menos ruidosa. Em campo, os primeiros 15 minutos foram obviamente travados pela tensão. Mas a partir da primeira chance criada pelo Osnabrück através de uma cabeçada torta do lateral-direito Schnetzler, que apareceu na entrada da pequena área como centroavante e concluiu feito zagueiro, as emoções se sucederam. Três minutos depois, primeira vez do Dynamo: o atacante Schahin invade a área pelo lado esquerdo, dribla o goleiro Berbig e conclui. O defensor Nickenig arremessa-se em direção a bola e a corta para escanteio. Para tanto, acabou chocando-se com a trave e precisou de atendimento médico. Oportunidades claras foram se alternado até o final do primeiro tempo. Fosse por ineficácia dos atacantes ou esforço de ambos goleiros em diversas ocasiões, na se esperaria tanto pelo gol. Assim, aos 45 na bucha, Schnetzler fez o que é pago para fazer: pegou rebote do escanteio que ele mesmo cobrou e cruzou na cabeça do zagueiro Mauersberger. Ele saltou entre os defensores e colocou longe do alcance do goleiro Kirsten. Comemoração efusiva, alívio para o Osnabrück e fim do primeiro tempo.
Sem escolha, o Dynamo veio armado para atacar na segunda etapa. Mas Schnetzler queria ser o nome do jogo e aos 58 minutos lançou-se de cabeça na bola para cortar um cruzamento. Não fosse Berbig, o empate teria vindo num autogol. Mas naquele momento, o time visitante tinha tomado conta do campo. Aos 61, Fiel, meiocampista metido a maestro da equipe, cobrou falta do bico da grande área. A bola desviou na barreira e entrou no canto direito de Berbig. Ele, que já caía na direção oposta, só pode fazer aquela tradicional cara de bunda. Com trinta minutos pela frente, os ataques rarearam: alguns escanteios mal aproveitados, chutes de longa distância e cruzamentos da intermediária, todos facilitadores das ações defensivas. Senha para prorrogação.
Aí a ocasião fez a coragem. Com três minutos de tempo extra, Schahin pulou sobre o zagueiro do Osnabrück e marcou o segundo do Dynamo. O jogo abriu novamente e o clube mandante foi para cima desordenadamente. A exposição defensiva permitiu aos de Dresden contraatacar. E depois de três desperdícios inexplicáveis, daqueles de fazer a torcida pensar no pior, o terceiro gol foi marcado: bola roubada na metade do campo, lançamento para direita. O jogador que estava lá, e que lamentavelmente não sei nomear, tocou de calcanhar para a disparada de Schahin, o insistente. Ele chegou ao fundo do campo e cruzou rasteiro para Koch completar para o gol desprotegido. Era o SG Dynamo Dresden derrubando o muro que, apesar de 1989, seguia praticamente intacto para o próprio clube. Enquanto comemoravam o gol da certeza, o enfrentamento foi encerrado. As cenas que seguiram foram tão repetidas quanto comoventes. Você que já passou por algo parecido não necessita de descrições. Você que não passou não vai me ler mesmo.

sábado, 26 de março de 2011

O jogador que venceu (?) a UEFA

Jean-Marc Bosman em seus dias de football card

Os fãs de futebol se acostumaram a conviver com a divulgação das somas acumuladas pelos considerados melhores jogadores de futebol da atualidade. O argentino Lionel Messi nadou em 33 milhões de Euros ao longo de 2010, somados o contrato com o Barcelona, os prêmios e a sua imagem publicitária. David Beckham, que pouco joga mas ainda enfeita, ultrapassou os 30 milhões. Wayne Rooney ganha algo como 200 mil libras por semana, levando em consideração somente o que o Manchester United paga. Ainda que representantes de uma extremidade bastante reduzida da grande massa de atletas que milita profissionalmente no futebol, estes que foram citados e tantas outras estrelas do esporte mais popular de um dos dois mundo com representação no Planeta Terra (o outro mundo é o dos Estados Unidos da América), tem em comum uma dívida profissional e moral que eles ou desconhecem ou preferem simular desconhecimento. Pois há aproximadamente uma semana, veio à luz a existência presente de um ex-jogador belga, de nome Jean-Marc Bosman, o homem que foi a face pública do fim da lei do passe no continente europeu e que não muitos anos depois, tornar-se-ia global. Hoje, depois dos anos em que ele se degladiou inicialmente contra o clube que detinha seu passe, depois com a Union Royale Belge des Societes de Football Association, (URBSFA, que também tem uma versão do nome em holandês) e então com a própria UEFA, Bosman vive com uma pensão de 800 euros concedida pelo governo belga, enfrenta uma batalha contra o alcoolismo e, para garantir a manutenção de seus proventos, não pode morar com sua segunda esposa e os dois filhos, o mais jovem com apenas cinco meses. Isso que seu nome virou lei e o trabalho dos jogadores profissionais foi humanizado graças a sua luta. Mas a vida de Bosman, contudo, tornou-o uma triste figura entre os rostos sorridentes de comerciais da Nike, de empresários multimilionários e de torcedores cegos pela sede de vitórias em campo. Resumo da ópera para que se compreenda a situação presente de Bosman. Em 1988, aos 24 anos e cinco temporadas no clube que o revelou, o Royal Standard de Liège, foi comprado por outro clube da cidade, o Royal Football Club de Liège. Finalizada sua segunda temporada no RFC, Bosman recebeu uma proposta de renovação pouco usual: contrato de um ano com um salário de 30 mil Francos belgas, o que significava uma redução de 45 mil Francos em relação ao que ganhava anteriormente. O jogador obviamente não aceitou o oferecimento e ficou sem contrato. Atleta mediano que era, tendo se destacado muito jovem nas seleções de base de seu país e a ela pouco retornado enquanto profissional, o futebol de Bosman não despertou a cobiça de grandes clubes europeus – àquela época centrados na Itália e na Espanha. A proposta de transferência veio do pequeno USL Dunkerque e, em princípio, fechava com o desejo de todas as partes envolvidas. Entretanto, quando a transferência do passe estava para ser assinada, o RFC Liège recuou e aumentou significativamente o valor de Bosman. Desconheço o valor original, mas o final deveria ser de 12 milhões de francos belgas. Sem recursos para bancar o preço inflacionado, o Dunkerque desistiu do negócio e o jogador estava proibido de exercer sua profissão pois o passe estava preso mesmo com o contrato com o clube encerrado. Inconformado, Bosman foi aos tribuinais. Sob a tutela de um caríssimo advogado, argumentou que como cidadão da União Europeia, ele possuía o direito a “liberdade de movimento” dentro da UE se ele desejasse encontrar trabalho (Artigo 48 do Tratado de Roma, hoje Artigo 39 do Tratado da União Europeia). Foram cinco anos de batalha judicial, que encerraram com a vitória de Bosman na Corte Europeia de Justiça. Tal vitória, porém, foi a ruína para ele. Enquanto os futebolistas europeus tinham muito para celebrar pois a lei do passe estava extinta, Jean-Marc Bosman representava a personificação do satanás para os clubes, o homem que havia acabado com as prerrogativas de propriedade que até então recaíam sobre os jogadores, especialmente aqueles que ficavam sem contrato e não raramente sem trabalho. Enquanto lutava na Justiça, ele atuou em clubes inexpressivos da França (em condições normais talvez não conseguisse mais que isso), mas com o processo legal encerrado sua carreira foi junto definitivamente. Afinal, que clube contrataria um jogador que atuou tão pungentemente contra os interesses do empregador? Hoje, adaptados a realidade pós-Bosman, os clubes investem em contratos mais longos, impõe multas rescisórias astronômicas e não padecem de traumas, ao contrário do protagonista dessa história. Também a legislação atual não acabou com o vampirismo no futebol, uma vez que os chamados agentes FIFA entraram no jogo dos lucros infinitos como maiores beneficiários. Ao final de tudo, Jean-Marc Bosman teve sua carreira destruída não apenas pelo que fez, mas por quem ele era enquanto jogador. Fosse um Messi ou um Cristiano Ronaldo, possivelmente sua carreira não teria sido encerrada pois haveria uma fila de clubes da elite mundial do futebol buscando a qualquer preço o fechamento de um contrato certamente vantajoso para ambas as partes. Bosman era apenas um meio-campista belga, que talvez nunca fosse lembrado caso não tivesse dado a cara a bater em nome de tantos que não se mostram ainda hoje dignos de seus esforços. A propósito, o Brasil teve seu Bosman muito antes de Bosman. Seu nome: Afonso Celso Garcia Reis, mais conhecido como Afonsinho (para conhecer a história desse jogador, recomendo o texto de Plínio Sgarbi, ‘Prezado amigo Afonsinho', em http://recantodasletras.uol.com.br/biografias/63946).

quinta-feira, 10 de março de 2011

Copa do Terceiro Mundo FIFA


Joseph Blatter, presidente da FIFA, é homenageado pela imprensa britânica

A ‘vitória’ russa na escolha da sede para a Copa do Mundo de 2018 foi vista com severas ressalvas pela principal concorrente derrotada, no caso a Inglaterra. Sem saber para onde ir, a imprensa inglesa destilou a humilhação da derrota acusando a FIFA de vender a competição para Rússia. MaFIFA foi a manchete do The Mirror no dia seguinte a derrota, ilustrada pelo foto do aperto de mãos entre Joseph Blatter e o premiê russo Vladimir Putin. Já o Daily Mail, usando os mesmos caracteres da trilogia ‘O poderoso chefão’ (The Godfather), em homenagem a Blatter estampou como manchete The Oddfather, seguido pelo subtítulo “Copa do Mundo... um troféu negociado por duas famílias da Máfia”. A despeito de uma leve empáfia britânica, que dava como certa a escolha da Inglaterra como país-sede, é certo que a eleição da Rússia deve ser vista com no mínimo alguma estranheza. Afinal, a terra da rainha, se preciso fosse, poderia sediar uma Copa do Mundo amanhã mesmo. Era só avisar. Todos os estádios estão prontos e as exigências de infraestrutura impostas pela FIFA já estão lá pois trata-se de um destino turístico clássico tanto para fãs de futebol como para fãs de tantas outras coisas que o país oferece, especialmente no verão. Porém, perguntar “por que a Rússia?” implica repetir a mesma questão, substituindo Rússia por África do Sul e Brasil. Que estranha coesão é essa que está fazendo da Copa do Mundo um evento a ser organizado por países subdesenvolvidos e, inevitavelmente, lotados de problemas sociais aparentemente insolúveis? Talvez a resposta esteja na Copa da Alemanha, ocorrida em 2006. Pois seu comitê organizador peitou a FIFA e disse simplesmente não para algumas de suas exigências estapafúrdias. Presidente do comitê, Franz Beckenbauer mandou a Federação Internacional pastar em dois casos: no primeiro, refutou a ideia de construir um novo estádio em Dortmund, perante a existência do Signal Iduna Park, templo do futebol alemão, e também porque o povo foi às ruas protestar contra uma obra cara e absolutamente inútil. Reformas foram feitas e o estádio serviu perfeitamente à Copa. No segundo caso, o Estádio Olímpico de Berlin, segundo a FIFA, não deveria ser usado por conta de sua associação às Olimpíadas de 1936. Beckenbauer disse que o estádio iria ser uma das sedes. A FIFA voltou a carga, impondo uma remodelação da fachada para reduzir a associação. Mais uma vez o Kayser disse não e a Berlin sediou jogos da Copa. Vale dizer que a Alianz Arena, o único estádio construído para a competição, aconteceu porque a população de Munique a aprovou através de um plebiscito. Caso contrário, o estádio que muda de cor não existiria.
É aqui que se chega ao ponto: a FIFA, como empresa capitalista que se tornou, não quer ser desafiada e sabe que países subservientes com seus governantes derramadores de verbas públicas e seus dirigentes esportivos puxa-sacos e covardes dirão sim de joelhos a todas obrigações por ela impostas, mesmo as mais inconsequentes, se for levado em consideração o longo prazo. O caso sul-africano já é realidade. Dos dez estádios usados na Copa, seis foram especialmente construídos para o torneio. Entre reformas e construções, o Estado gastou em torno de 2,6 bilhões de dólares e agora não tem ideia do que fazer com os chamados ‘elefantes brancos’. Dois exemplos são os mais dramáticos: o estádio Green Point, em Cape Town, está cogitado para ser demolido; o Polokwane, na paupérrima província de Limpopo, exige US$ 2 milhões anuais apenas para manutenção e serve para quase nada. O Brasil terá possivelmente estádios novos e caros em lugares como Brasília e Manaus, que servirão para sediar grandes clássicos, caso de Ceilândia x Gama e Rio Negro x Solimões após o final do torneio. Isso sem falar que Minas Gerais e Rio de Janeiro não terão estádios decentes para os dois próximos campeonatos brasileiros por conta da reforma do Mineirão e da re-reforma do Maracanã.
De volta à Rússia, os prováveis novos estádios não terão final menos trágico. Pois apesar de alguns clubes terem conquistado recente projeção no cenário europeu graças ao dinheiro dos bilionários do espólio da extinta União Soviética – CSKA Moscou, Rubin Kazan e FC Zenit São Petersburgo (que não contrata jogadores negros) são os exemplos mais bem acabados -, a maioria das agremiações sofre com falta de público e débitos impagáveis. Ao final da temporada 2010/2011, o FC Saturn abandonou a Premier League Russa em função um dívida de aproximadamente 20 milhões de euros. No mesmo período, a FC Amkar foi também aceitou o rebaixamento por uma dívida próxima aos cinco milhões de euros, mas foi salvo na última hora e jogara a longa temporada 2011/2012 de 18 meses, assim elaborada para que a Rússia consiga adequar-se ao calendário europeu ocidental. O mais incrível é que os dois clubes imediatamente selecionados para substituírem o Saturn por suas colocações na segunda divisão negaram o ascenso por não terem condições financeiras para bancar as exigências da Federação Russa de Futebol e a vaga caiu no colo do quinto colocado, o Krasnodar. Com tais condições internas, praças esportivas padrão Copa do Mundo para quê e para quem?
Mas a FIFA tem uma desculpa socialmente correta na ponta de sua língua de serpente: a realização de uma Copa do Mundo traz benefícios inegáveis para os países-sede, caso das obrigatórias melhorias no transporte público (na África do Sul não aconteceu isso) e nos serviços considerados essenciais, caso da saúde e do saneamento básico (na África do Sul isso também não aconteceu). Mas mesmo que tais melhorias tenham lugar, elas não poderiam ocorrer sem a tal Copa do Mundo FIFA?

Parte das informações contidas nessa publicação foram encontradas no blog do jornalista da ESPN Mauro Cézar Pereira (citando outro jornalista da mesma rede, Gerd Wenzel) e nas edições 288 e 289 da revista When Saturday Comes.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Esporte Clube São José x Esporte Clube Cruzeiro

Da esquerda para a direita: na torcida cruzeirista, as faixas buscam preencher o vazio; a barra do São José se espreme contra a tela; Chiquinho leva nos braços sua mais importante realização dos últimos tempos; depois da bolada atordoante, o assistente recebe cuidados médicos; no futebol, como na vida, o autor da falta sempre se diz inocente; junto ao alambrado, o menino retrata a solidão de um derby esquecido. Fotos: Alessandro Bracht
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Jogo: EC São José 0x0 EC Cruzeiro
Data: 09 de fevereiro de 2011
Competição: Gauchão Coca-Cola
Local: Estádio Morada dos Quero-Queros
Público: miserável

Uma sucessão de erros. Da ideia à execução. Não sobrou quase nada daquele que poderia ser um evento diferenciado em um torneio notadamente chato como o campeonato estadual do Rio Grande do Sul. Portanto, o retorno de um derby capitalino que não ocorria pela divisão principal desde os anos 1970 merecia algo mais que o horário impossível para a maioria dos interessados e o lugar que não fosse um campo neutro na fronteira entre Porto Alegre e o município metropolitano de Alvorada. Pois os jogo foi às 16 horas de uma quarta-feira no estádio do Pedrabranca FC, não sem antes ter sido arremessado para locais e horários diversos. Inicialmente o jogo seria no estádio do mandante em 19 de janeiro. Em função das obras de troca do gramado natural pelo sintético, o jogo seria na mesmo na morada dos Quero-Queros (nome mais que adequado para o tal estádio), local onde o Zequinha manda seus jogos enquanto seus atletas não deslizam sobre os fragmentos de borracha, aqueles mesmos que fazem sua mulher querer te expulsar de casa toda vez que você chega da pelada entre amigos. Entrentanto, em função da participação do Grêmio FBPA na Taça Santander Libertadores, com jogo marcado naquela que seria a data oficial, São José e o Tricolor anteciparam o confronto para 21 de janeiro, impedindo a ocorrência do Zé-Cruz na data original. Novo dia foi marcado, desta feita em três de fevereiro, às 19h30min no Estádio Passo d’Areia, que a essa altura prometia estar pronto. Mais uma vez não estava. Confesso que não sei se em função disso, mas novamente a partida foi adiada. Nova e última possível data: nove de fevereio, às 20h, no finalmente instalado gramado sintético do Passo d’Areia. Agora vai! Não foi. Ou pior, foi. Para bem longe. Um dia antes da partida, ainda que no site oficial do São José o local e a data permanecessem os mesmos, o Cruzeiro divulgava em seu sítio web que o clássico ocorreria mesmo em Alvorada, ainda sem horário definido. Sabia-se apenas que o jogo seria a tarde pois a Morada não conta com iluminação artificial. Na última hora saiu o horário no sempre atrasado site da Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Resultado disso: um estádio para mil pessoas com algo com 200 e uma atmosfera ruim, pontuada por comentários dos presentes que convergiam para um ponto comum. Fosse no Passo d’Areia, à noite e com alguma divulgação da imprensa local, haveria um bom público. Torcedores fiéis, simpatizantes, moradores da cercanias do estádio, curiosos, fãs de futebol resultariam certamente em um público bem maior. Que ninguém esperasse um milagre, um campo dos sonhos. Mas algo melhor poderia ter tido lugar. Errou a FGF, que contando com um patrocinador forte nada fez para divulgar o Zé-Cruz. Errou o São José, que não deu conta de encerrar uma obra tão simples como a da instalação de um gramado sintético (se fosse grama natural, haveria perdão). Errou também a imprensa. Não sei do Correio do Pastor, mas a Nota Zero Hora poderia ter colocado uma paginazinha em seu suplemento esportivo contando algo sobre o pequeno clássico. Afinal, o referido periódico pertence ao grupo RBS, mantenedora dos direitos de transmissão do Gauchão Coca-Cola. E se nem quem paga a conta está interessado...
Ao jogo então. Só o que ocorreu em campo poderia salvar o Zé-Cruz. E apesar de tudo para além dele e do campo encharcado, quase chegou lá. Após um começo de estudos, típico de um clássico, que teve como principal atração o nocaute do assistente de arbitragem Jorge Luís da Silva, causado por uma bolada, as equipes foram se soltando. Aos 15 minutos, o lateral-direito Suélinton partiu da metade do campo em alta velocidade, passou por quatro marcadores cruzeiristas e da entrada da área mandou um chute forte. A bola passou perto. A seguir, o Cruzeiro respondeu. Em avanço tramado pelo lado direito, o cruzamento resulta no cabeceio de Márcio. Defesa do bom arqueiro Rafael. A partir daí, o São José tomou conta da partida e a figura foi o goleiro Fábio, ladeado por Rafael Xavier, atacante do Zequinha que sofreu demasiado com a presença da bola e não voltou para o segundo tempo. Outra figura da qual se esperava algo mais, Chiquinho, camisa 10 e ex-promessa do princípio dos anos 2000, parecia seguir mirando um passado que insiste em não retornar. Tratou bem a bola enquanto ela estava em seus pés. Mas a cada jogada mal resolvida revelava sua desmotivação e parecia perguntar-se “o que eu estou fazendo aqui?”. Veio o segundo tempo e com ele um sol de rachar. E também a melhor chance do São José. Em conclusão do centroavante Ale, quase na pequena área, Fábio fez uma defesa que entraria nas jogadas na semana se tivesse ocorrido em uma partida de grandes clubes em alguma grande competição. Daí em diante, chances de perigo médio se alternaram. Até que Tiago Miracema, do São José, tomou o cartão vermelho após atingir Sandro Müller. Ainda não sei se era para tanto, mas o jogador a menos fez o Zequinha recuar e o Cruzeirito assumir as rédeas nos minutos finais. A chance para resolver a partida veio em cruzamento quase da linha de fundo – uma agradável constante no scretch cruzeirista – de Faísca para Jo. Ele cabeceou e a bola raspou o poste esquerdo de Rafael. Com a parada técnica para reidratação e os descontos, a partida foi até os 53 minutos. Fim de jogo e pouco tempo depois o pequeno estádio estava vazio. Na jornada de volta para casa, fiquei pensando que Zé-Cruz espera uma chance para realmente acontecer. Uma esperança que só irá se cumprir caso os promotores do futebol sul-riograndense tenham alguma disposição para isso ao invés de ficarem impávidos esperando as passagens para Abu Dhabi ou Yokohama.