quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Al-Ahli Club x Al-Sharjah Sports Club

Da esquerda para a direita: da expressão física do futebol no chute de Ahmed Khamis à cenas de surpreendente (?) tolerância: "vem dançar comigo" (love is n the air...); sambinha fuleiro para comemorar o gol de Marcelinho; Canavarro sorri e aplaude a vitória do Ahli nas tribunas; o jovem torcedor com down entre os seus; lugar de mulher nos Emirados Árabes é na platéia. Fotos: Al-Essan-Dro Bracht
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Jogo: Al-Ahli Club 2x1 Al-Sharjah Sports Club
Data: 26 de outubro de 2010
Competição: UAE Premier League
Local: Al-Rashid Stadium
Público: mil e poucos, se olhando para as estrelas...

A primeira incursão extra-ocidental e, através dela, a sensação do tamanho da missão de ser tolerante para além do discurso. Uma missão que inclui deixar de lado imagens previamente construídas e a estranhezas perante o outro. Ou seja, abandonar a xenofobia (no presente caso, ‘suave’), característica humana que, dependendo da forma como se manifesta, pode ser extremamente perigosa e por isso mesmo deve ser controlada. Pois o homem é menos racional do que supunham certos pensadores de um passado justamente ingênuo. Inteligência e autocontrole não significam razão, mas sim o esforço de segurar em rédeas a besta. E se o que até aqui está escrito parece dramático em demasia, que se faça a explicação através de perguntas que eu mesmo me fiz ao longo primeiro tempo: “quem é que vai assistir um jogo desses?”, “como pode um jogo de futebol ser tão ruim?, “esse narrador não cansa de tagarelar, e nessa língua horrorosa ainda?”, “por que o futebol foi trazido para esse lugar?”. Ocorre que essas mesmas perguntas poderiam ter sido feitas em outros dos jogos aqui cobertos. Não o foram apenas porque era o Ocidente – América do Sul e a periferia da Europa – e no Ocidente o estádio vazio é símbolo da fidelidade admirável de poucos; o jogo não é ruim, mas fraco tecnicamente e, por isso, emocionante; a locutor fala pelo menos algumas palavras que consigo identificar (torcida, no caso da Polônia) e o futebol lá está simplesmente porque pareceu sempre estar, ninguém o levou. Portanto, as tais perguntas foram formuladas apenas porque o lugar do futebol é o mundo árabe.
Identificado o mal da intolerância, basta deixá-lo de lado e escrever sobre a diversidade, aquilo que confere ao futebol praticado nos Emirados Árabes Unidos peculiaridades que o diferem do futebol vivenciado no Ocidente, tanto em campo como no comportamento dos torcedores. Pronto, agora me sinto um verdadeiro relativista! Mas a conclusão é que se me impusesse tal missão, não teria mais nada para escrever. Simplesmente porque é futebol e as diferenças, se é que existem, não estão na essência cultural. Muito ao contrário, e esse é justamente o desejo de quem investe em futebol por lá com seus famosos petrodólares: eles não querem mostrar ao Ocidente o quão diferentes são. Tanto que a presença estrangeira ocidental é relevante. Os treinadores são europeus: pelo Ahli, o irlandês David O’Leary, no Sharjah o português Manuel Cajuda. Em campo, três brasileiros e um burkinense. Nas tribunas, fora da partida, o zagueiro italiano campeão mundial em 2006, Fabio Canavarro, é a celebridade dos locais. E dizer que todos estão lá somente por dinheiro também não os torna muito diversos dos que atuam em gramados ocidentais. Tudo isso o próprio match pela oitava rodada da Premier League dos Emirados Árabes Unidos disse em termos práticos. A etapa inicial, causadora da crise etnocêntrica, teve alguma emoção na altura dos oito minutos, quando o scretch visitante somou duas chances em sequência: na primeira, o brasileiro Marcelinho testou com força um cruzamento oriundo o bico da grande área. O goleiro Obaid Mohamed espalmou para escanteio na companhia de um voo acrobático. Cobrado o corner, Al Kamali recebe a bola do rebote da zaga e chuta violentamente por cima da goleira. O esférico passa perto. Da arquibancada se ouvem alguns lamentos pois há torcida visitante também. Depois, o nada futebolístico motivado por um festival de faltas desnecessárias, daquelas praticadas por marcadores que simplesmente não reúnem condições de desarmar na bola. Dessas muitas infrações, bolas alçadas na área e nenhum aproveitamento. O 0x0 não surpreendeu (“e vai continuar assim! Futebol árabe... fala sério!”). Veio o segundo tempo e as mudanças foram radicais, especialmente a partir do pênalti em benefício do Ahli, cobrado e convertido por Pinga aos 65 minutos. O lance que o originou foi meio estranho, já que houve um choque aéreo entre dois jogadores e o árbitro entendeu como se o defensor brasileiro Gustavo tivesse deslocado o atacante Faisal Khalil no ar. O brasileiro, claro, chiou muito (“esses brasileiros, sempre dando vexame no exterior!”). Canavarro abriu o sorriso e comemorou. A intensidade das emoções aumentou quando pouco mais de um minuto depois Mohamed Surour foi derrubado na área e desta feita o pênalti, infantil, vale dizer o camisa 10 visitante estava de costas para o gol quando foi atingido pelo inábil defensor adversário. Jogo empatado através dos pés de Marcelinho, não sem antes as câmeras da televisão árabe mirarem a expectativa nervosa dos torcedores visitantes – comportamento padrão: o medo do fã diante do pênalti. Nos dez minutos seguintes, o jogo ficou aberto e as tentativas de ganhar o jogo se intercalaram. Até que um falta em frente a área do Sharjah definiu a partida. Ahmed Khalil cobrou com maestria no canto direito do arqueiro Mahmoud Al Mas. Ele nem se mexeu.Talvez tenha achado tão bela a conclusão que preferiu ficar somente olhando. Canavarro sim. Ele celebrou novamente. E os torcedores do Ahli também, sacolejando seus (ou suas?) kafias. Marcelinho ainda tentou carregar seus companheiros rumo ao empate. Não deu. 2x1 foi o placar final do jogo nos Emirados Árabes Unidos. Bom jogo, afinal. It’s only football but i like it... não importa se no Oriente ou no Ocidente.

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