quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Rumo à terra de ninguém

A discussão em torno da questão do centro e da periferia pode ser retomada através do futebol. Nesse ambiente também uma e outra existem e, como em outros casos, elas se opõem e se mantém através de uma relação de dependência. A periferia do futebol abastece o centro, enquanto este, ainda que de forma minimamente ética, garante a sobrevivência da periferia. Esta relação inevitável tem sua manifestação mais óbvia na constante transferência dos melhores jogadores da periferia para o centro, o que garante a permanência de ambos, mas, ao que parece, pouco a pouco vai exaurindo à morte a periferia. Não que a exportação dos melhores produtos latino-americanos e africanos se encerrará em um dado momento pela falta de geração de novos talentos na periferia. Não se trata disso.
O que ocorre é que, por conta do êxodo dos principais talentos, a exportação está ocorrendo também entre os fãs. Não que eles sejam capazes de deixar seus países de origem para torcer por Milan, Chelsea, Barcelona ou Real Madrid. Mas, desde a periferia, tais fãs, construídos as expensas da pobreza futebolística de suas pátrias, tornaram-se vorazes consumidores dos produtos do centro: entre transmissões esportivas, camisetas e outros artigos, os “torcedores” da periferia criam um vínculo tão frágil quanto artificial, que gera aberrações tais como as declarações de amor de brasileiros – habitantes da maior das periferias – a clubes europeus.
Dias desses, mais precisamente em 17 de janeiro, jogavam Chelsea e Stoke City, com transmissão brasilis. Faltando três minutos para o fim do tempo regulamentar e com 0x1 no placar o Chelsea empataria. Instantes depois, o locutor do jogo anunciou uma mensagem eletrônica de um brasileiro, “torcedor fanático” do Chelsea, declarando que iria chorar se o “seu” clube virasse o jogo, o que de fato aconteceu. Chorar por quê? A partir de que referência ele construiu esse vínculo com o Chelsea? Assistindo na tela a um clube que possivelmente ele nunca viu nem nunca verá ao vivo e que ele certamente conheceu há poucos anos, a partir da reestruturação do clube com dinheiro ilegal, roubado de um povo que, de um dia para outro se viu abandonado pelo Estado e, condenado a pobreza, assistiu a divisão do espólio estatal entre mafiosos do falido regime soviético.
Enquanto isso, em nome de saciar a sede pela vitória que se restringe a um grupo cada vez mais reduzido de clubes, instituições futebolísticas menores (em poder, vale ressaltar) vão definhando, abandonados por aqueles que por diversas desrazões deveriam ser seus torcedores, esquecidas em um universo paralelo, a terra de ninguém do futebol. Uma terra que se torna muitas e só não escapa ao olhar cuidadoso dos preadores institucionalizados (mais conhecidos como agentes FIFA) e de alguns fãs tratados como insanos apenas porque ainda buscam a essência do futebol, que está acima da facilidades de escolher como “clube do coração” aquele que tem mais visibilidade por conta dos títulos conquistados em determinado momento. Conheçam, pois, torcedores de ocasião, a terra de ninguém. Eu lhes guiarei pelo caminho da verdade do futebol. Aos que já a conhecem, desfrutem da renovação desse prazer.

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