quinta-feira, 10 de março de 2011

Copa do Terceiro Mundo FIFA


Joseph Blatter, presidente da FIFA, é homenageado pela imprensa britânica

A ‘vitória’ russa na escolha da sede para a Copa do Mundo de 2018 foi vista com severas ressalvas pela principal concorrente derrotada, no caso a Inglaterra. Sem saber para onde ir, a imprensa inglesa destilou a humilhação da derrota acusando a FIFA de vender a competição para Rússia. MaFIFA foi a manchete do The Mirror no dia seguinte a derrota, ilustrada pelo foto do aperto de mãos entre Joseph Blatter e o premiê russo Vladimir Putin. Já o Daily Mail, usando os mesmos caracteres da trilogia ‘O poderoso chefão’ (The Godfather), em homenagem a Blatter estampou como manchete The Oddfather, seguido pelo subtítulo “Copa do Mundo... um troféu negociado por duas famílias da Máfia”. A despeito de uma leve empáfia britânica, que dava como certa a escolha da Inglaterra como país-sede, é certo que a eleição da Rússia deve ser vista com no mínimo alguma estranheza. Afinal, a terra da rainha, se preciso fosse, poderia sediar uma Copa do Mundo amanhã mesmo. Era só avisar. Todos os estádios estão prontos e as exigências de infraestrutura impostas pela FIFA já estão lá pois trata-se de um destino turístico clássico tanto para fãs de futebol como para fãs de tantas outras coisas que o país oferece, especialmente no verão. Porém, perguntar “por que a Rússia?” implica repetir a mesma questão, substituindo Rússia por África do Sul e Brasil. Que estranha coesão é essa que está fazendo da Copa do Mundo um evento a ser organizado por países subdesenvolvidos e, inevitavelmente, lotados de problemas sociais aparentemente insolúveis? Talvez a resposta esteja na Copa da Alemanha, ocorrida em 2006. Pois seu comitê organizador peitou a FIFA e disse simplesmente não para algumas de suas exigências estapafúrdias. Presidente do comitê, Franz Beckenbauer mandou a Federação Internacional pastar em dois casos: no primeiro, refutou a ideia de construir um novo estádio em Dortmund, perante a existência do Signal Iduna Park, templo do futebol alemão, e também porque o povo foi às ruas protestar contra uma obra cara e absolutamente inútil. Reformas foram feitas e o estádio serviu perfeitamente à Copa. No segundo caso, o Estádio Olímpico de Berlin, segundo a FIFA, não deveria ser usado por conta de sua associação às Olimpíadas de 1936. Beckenbauer disse que o estádio iria ser uma das sedes. A FIFA voltou a carga, impondo uma remodelação da fachada para reduzir a associação. Mais uma vez o Kayser disse não e a Berlin sediou jogos da Copa. Vale dizer que a Alianz Arena, o único estádio construído para a competição, aconteceu porque a população de Munique a aprovou através de um plebiscito. Caso contrário, o estádio que muda de cor não existiria.
É aqui que se chega ao ponto: a FIFA, como empresa capitalista que se tornou, não quer ser desafiada e sabe que países subservientes com seus governantes derramadores de verbas públicas e seus dirigentes esportivos puxa-sacos e covardes dirão sim de joelhos a todas obrigações por ela impostas, mesmo as mais inconsequentes, se for levado em consideração o longo prazo. O caso sul-africano já é realidade. Dos dez estádios usados na Copa, seis foram especialmente construídos para o torneio. Entre reformas e construções, o Estado gastou em torno de 2,6 bilhões de dólares e agora não tem ideia do que fazer com os chamados ‘elefantes brancos’. Dois exemplos são os mais dramáticos: o estádio Green Point, em Cape Town, está cogitado para ser demolido; o Polokwane, na paupérrima província de Limpopo, exige US$ 2 milhões anuais apenas para manutenção e serve para quase nada. O Brasil terá possivelmente estádios novos e caros em lugares como Brasília e Manaus, que servirão para sediar grandes clássicos, caso de Ceilândia x Gama e Rio Negro x Solimões após o final do torneio. Isso sem falar que Minas Gerais e Rio de Janeiro não terão estádios decentes para os dois próximos campeonatos brasileiros por conta da reforma do Mineirão e da re-reforma do Maracanã.
De volta à Rússia, os prováveis novos estádios não terão final menos trágico. Pois apesar de alguns clubes terem conquistado recente projeção no cenário europeu graças ao dinheiro dos bilionários do espólio da extinta União Soviética – CSKA Moscou, Rubin Kazan e FC Zenit São Petersburgo (que não contrata jogadores negros) são os exemplos mais bem acabados -, a maioria das agremiações sofre com falta de público e débitos impagáveis. Ao final da temporada 2010/2011, o FC Saturn abandonou a Premier League Russa em função um dívida de aproximadamente 20 milhões de euros. No mesmo período, a FC Amkar foi também aceitou o rebaixamento por uma dívida próxima aos cinco milhões de euros, mas foi salvo na última hora e jogara a longa temporada 2011/2012 de 18 meses, assim elaborada para que a Rússia consiga adequar-se ao calendário europeu ocidental. O mais incrível é que os dois clubes imediatamente selecionados para substituírem o Saturn por suas colocações na segunda divisão negaram o ascenso por não terem condições financeiras para bancar as exigências da Federação Russa de Futebol e a vaga caiu no colo do quinto colocado, o Krasnodar. Com tais condições internas, praças esportivas padrão Copa do Mundo para quê e para quem?
Mas a FIFA tem uma desculpa socialmente correta na ponta de sua língua de serpente: a realização de uma Copa do Mundo traz benefícios inegáveis para os países-sede, caso das obrigatórias melhorias no transporte público (na África do Sul não aconteceu isso) e nos serviços considerados essenciais, caso da saúde e do saneamento básico (na África do Sul isso também não aconteceu). Mas mesmo que tais melhorias tenham lugar, elas não poderiam ocorrer sem a tal Copa do Mundo FIFA?

Parte das informações contidas nessa publicação foram encontradas no blog do jornalista da ESPN Mauro Cézar Pereira (citando outro jornalista da mesma rede, Gerd Wenzel) e nas edições 288 e 289 da revista When Saturday Comes.

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